Aprovada pelo Senado, a PEC 37/2022 prevê a inclusão das guardas municipais e agentes de trânsito nos órgãos de segurança pública previstos na Constituição Federal. Tal decisão coloca em pauta um debate que já é antigo no país; porém, apesar do tempo, ainda não leva a uma conclusão. A real função das guardas municipais, incluída na estrutura de segurança do país, precisa ser melhor interpretada.
A proposta, que agora segue para a Câmara dos Deputados, como se trata de uma das questões de maior preocupação da sociedade brasileira, a segurança pública, suscita mais perguntas do que respostas definitivas. Em termos formais, a proposta parece preencher uma lacuna legal. Hoje, a Constituição reconhece sete forças de segurança pública: polícias Federal, Rodoviária Federal, Ferroviária Federal, civis e militares dos estados, corpos de bombeiros militares e polícias penais.
As guardas, apesar de presentes em mais de 1.100 municípios, permaneciam em uma zona confusa, operando à margem do sistema, com funções que frequentemente extrapolam o escopo definido por lei, que é, teoricamente, a proteção de bens, serviços e instalações municipais. Incorporá-las formalmente à Constituição pode ser um passo para sua valorização institucional, mas também levanta questões práticas que precisam ser tratadas com mais profundidade.
O que muda no cotidiano da segurança pública brasileira com essa mudança constitucional? A PEC traz uma resposta aos problemas reais? Se olharmos para os dados, a resposta é incerta. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta para um número de guardas municipais próximo a 20% dos efetivos policiais brasileiros, um número significativo que não pode ser deixado de fora da análise.
Acontece, porém, que a formação dessas guardas, sua remuneração e infraestrutura são desiguais entre os municípios. Em capitais e cidades maiores, há investimentos significativos, treinamentos regulares e integração com outras forças. Mas, em muitos outros municípios, a guarda mal dispõe de viaturas e armamentos, letais e não letais, o que torna o exercício de uma função policial efetiva praticamente inviável.
Falta uma padronização nacional, o que traz uma vulnerabilidade que dificulta uma visão operacional única e a possibilidade de não obtermos uma forma de comando que atenda à complexidade do policiamento de nossas cidades. As polícias militares e civis obedecem a normas estaduais que são submetidas à supervisão de conselhos nacionais; já as guardas respondem aos prefeitos, o que pode fazer com que suas atuações sejam submetidas a políticas de interesse particulares e não coletivas.
Cidades que apostaram no modelo de guarda comunitária, com foco na mediação de conflitos e na aproximação com a população, colheram frutos positivos, especialmente em áreas com forte presença do tráfico ou vulnerabilidade social. Mas há também exemplos de uso indevido das guardas como braços armados de administrações locais ou de atuações excessivamente repressivas sem respaldo legal ou preparo técnico.
A PEC também abre a possibilidade de que municípios rebatizem suas guardas como “polícias municipais” ou outras denominações. Embora isso tenha forte apelo simbólico, é importante lembrar que a troca de nomenclatura não equivale, por si só, à transformação funcional. Criar uma “nova polícia” exige mais do que concurso e alteração de cargo: requer investimento continuado, formação técnica, integração com as demais forças e, o mais desafiador, um pacto federativo claro elegendo quem faz o quê.
O Brasil carece de um modelo de segurança pública mais coordenado e menos improvisado. A entrada formal das guardas municipais na Constituição pode ser um passo importante, mas será inócuo se não vier acompanhada de diretrizes nacionais, financiamento adequado e mecanismos de controle que evitem a pulverização de pequenas milícias institucionais sob o selo da legalidade.
Muito além de mais armas ou novos nomes, o que o país precisa é de uma política de segurança baseada em evidências, com foco na prevenção, inteligência e visão mais aproximada da realidade brasileira. A PEC não atrapalha esse caminho, mas certamente não o garante.