O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em agosto de 2025, que a inclusão de cláusula de arbitragem em estatuto de associação civil não precisa seguir as mesmas exigências aplicáveis aos contratos de adesão. A decisão foi tomada pela Terceira Turma do tribunal ao julgar um recurso que discutia a validade de uma cláusula compromissória — ou seja, uma regra que obriga as partes a resolverem conflitos por meio da arbitragem, e não pelo Judiciário — prevista no estatuto de uma associação privada. A discussão teve como pano de fundo uma cobrança feita por meio de ação monitória baseada em uma sentença arbitral contra um ex-associado.
O ex-associado questionou a validade da cláusula, alegando que nunca concordou formalmente com sua inclusão no estatuto da entidade. Segundo ele, a cláusula foi inserida após a sua admissão como associado, e ele não teria assinado qualquer documento específico concordando com a submissão à arbitragem. Esse argumento se baseava em uma previsão da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), que exige uma manifestação expressa de concordância com a cláusula arbitral em contratos de adesão — aqueles contratos em que as cláusulas são impostas por uma das partes, sem possibilidade de negociação, como ocorre comumente em contratos bancários, de telefonia ou seguros.
No entanto, para o STJ, essa exigência de consentimento individual não se aplica ao caso de associações civis. A Corte entendeu que o estatuto de uma entidade associativa, ainda que possa ser considerado um instrumento de adesão sob certos aspectos, não é um contrato de adesão nos moldes previstos na Lei de Arbitragem. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, destacou que a decisão de alterar o estatuto foi tomada por meio de deliberação em assembleia geral, com a participação dos associados, o que diferencia esse processo do modelo unilateral típico dos contratos de adesão.
Na avaliação do tribunal, quando um associado participa de uma entidade civil, ele se vincula às regras previamente estabelecidas no estatuto e também às alterações que forem aprovadas coletivamente, desde que respeitadas as normas internas e legais. Assim, ainda que não haja uma assinatura individual para cada mudança no estatuto, a deliberação coletiva em assembleia — que representa a vontade dos associados — é suficiente para dar validade às alterações, inclusive quanto à cláusula arbitral. Esse entendimento reforça o papel da autonomia das associações e da autorregulação entre seus membros.
Outro ponto importante abordado no julgamento é o chamado princípio da competência. Trata-se de uma regra segundo a qual é o próprio tribunal arbitral — e não o Judiciário — quem deve decidir, em primeiro lugar, sobre a existência, validade e eficácia da cláusula de arbitragem. Esse princípio está previsto na própria Lei de Arbitragem e foi reafirmado pelo STJ, que entendeu que eventual discussão sobre a validade da cláusula compromissória incluída no estatuto da associação deve ser analisada no âmbito da arbitragem, e não em uma ação judicial.
No caso concreto, a associação havia ajuizado uma ação monitória com base em sentença arbitral para cobrar valores de um ex-associado. Ele argumentou que a cláusula não poderia ser aplicada porque não houve sua aceitação expressa. As instâncias anteriores já haviam rejeitado essa tese, e o STJ manteve a decisão, entendendo que a cláusula arbitral era válida, pois foi aprovada regularmente em assembleia, na qual todos os associados tiveram a oportunidade de participar ou se manifestar.
A arbitragem, nesse contexto, surge como uma alternativa ao Judiciário para a resolução de conflitos, especialmente em ambientes associativos e empresariais. Trata-se de um meio privado de solução de controvérsias, em que as partes escolhem árbitros para decidir a disputa, com base em regras previamente acordadas. O procedimento costuma ser mais célere e reservado do que o judicial, e seu resultado tem força de sentença judicial, sendo obrigatório para as partes envolvidas.
Esse julgamento do STJ, no Recurso Especial nº 2.166.582, reforça a possibilidade de que associações civis utilizem cláusulas compromissórias em seus estatutos para resolver conflitos por meio da arbitragem. Também esclarece que a exigência de consentimento individual prevista na Lei de Arbitragem para contratos de adesão não se aplica automaticamente a esse tipo de entidade. A decisão foi publicada no dia 14 de agosto de 2025 e consolida o entendimento do tribunal sobre o tema.