Caso Felca: denúncias, redes sociais e o risco do Estado-policial digital

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Reprodução / Youtube

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As denúncias feitas por Felca acendem dois tipos de sinal vermelho. O primeiro é imediato e direto: pais e responsáveis precisam compreender que a internet não é um playground seguro, e que a ingenuidade digital custa caro. Plataformas que parecem inofensivas abrigam conteúdos nocivos, criminosos e capazes de afetar o desenvolvimento e a saúde mental de crianças e adolescentes. A urgência em proteger esse público vulnerável é óbvia e inegociável.

Mas há um segundo alerta, mais sutil e perigoso, que exige atenção: o risco de que a gravidade dessas denúncias seja instrumentalizada pelo governo federal para avançar sobre a regulação das redes sociais de forma apressada, enviesada e, sobretudo, com potencial para perseguir adversários políticos.

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Em tempos de comoção pública, a tentação do poder é legislar no susto. A narrativa oficial se ampara na defesa da infância e no combate a crimes digitais — causas nobres e necessárias. Mas, no rastro dessa bandeira, pode-se abrir espaço para mecanismos de controle que extrapolem a proteção e entrem no terreno da censura e do silenciamento seletivo.

O perigo da “caneta digital”

O histórico recente não ajuda a dissipar preocupações. O Brasil vive, há anos, um ambiente político polarizado, em que instituições e lideranças usam a retórica da “defesa da democracia” para justificar ações que beiram o autoritarismo. Nesse contexto, regular redes sociais sem salvaguardas democráticas é dar ao Estado uma “caneta digital” com poder para decidir quem fala, quem cala e quem desaparece do debate público.

Não é teoria conspiratória: há exemplos concretos, aqui e lá fora, de regulações que começaram como escudos contra o crime e terminaram como espadas contra opositores. A própria derrubada do Artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo Supremo Tribunal Federal já abriu brechas para responsabilizar plataformas por conteúdo de terceiros, um passo que, combinado com uma regulação malfeita, pode asfixiar o ambiente de pluralidade.

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O argumento oficial será sempre o mesmo: “Estamos protegendo a sociedade”. O problema é que essa frase, quando não vem acompanhada de transparência, limites claros e controle social, pode se tornar a senha para abusos.

A defesa das crianças e adolescentes no ambiente digital é urgente, mas não pode servir como Cavalo de Tróia para um projeto de poder. É aqui que o debate precisa ser mais maduro. Proteger os vulneráveis e proteger a liberdade de expressão não são agendas conflitantes. É possível ter leis duras contra crimes online e, ao mesmo tempo, garantir que elas não sejam usadas como armas políticas.

Para isso são essenciais as definições claras do que constitui crime digital, para evitar interpretações elásticas, e processos transparentes de remoção de conteúdo e punição, com possibilidade de defesa e revisão independente. Sem esses freios, a regulação vira ferramenta de perseguição e não de proteção.

O que está em jogo não é apenas a segurança digital das crianças, mas a própria saúde da democracia. A sociedade civil, entidades de defesa de direitos humanos e especialistas em tecnologia precisam participar ativamente do debate. O Congresso não pode legislar às pressas, no calor da indignação pública, sem ouvir todos os lados e sem avaliar impactos de médio e longo prazo.

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Regulação é necessária. Impunidade digital não é opção. Mas também não é opção viver num país em que a internet se torna uma extensão do palanque governamental, onde vozes incômodas são silenciadas sob o pretexto de “proteger a sociedade”.

A democracia não se mede apenas pelo voto, mas pela capacidade de conviver com o contraditório, inclusive no ambiente digital. O desafio, portanto, é duplo. Blindar nossas crianças contra os predadores virtuais e blindar nossas liberdades contra os predadores do poder.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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