Há 35 anos, o Brasil vivia um marco histórico: entrava em vigor o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Promulgado em 11 de setembro de 1990, o texto garantiu, pela primeira vez, direitos claros aos cidadãos diante de empresas e serviços, mudando a forma de consumir e de fazer negócios no país.
De um cenário de desigualdades, o Brasil passou a ser referência mundial em legislação de proteção ao consumidor. “O Código foi um grande passo e uma grande conquista. Ele passou a defender não só os interesses difusos, mas também os coletivos e os individuais homogêneos”, relembra José Brito Filomeno, vice-presidente da comissão que elaborou o CDC.
Atualizações necessárias
Mais de três décadas depois, especialistas ainda ressaltam a atualidade da lei. “O próprio Mercosul buscou o nosso código para elaborar suas regras de consumo. Não estamos em uma esfera inferior aos países desenvolvidos. Pelo contrário: o nosso código é referência para muitos países”, afirma a advogada Luciana Atheniense, da OAB-MG.
Se na década de 90 crédito fácil e internet não eram problemas, as transformações no consumo exigiram mudanças. Com novas demandas e desafios, em 2012 foi criada uma comissão para atualizar o Código de Defesa do Consumidor. Mas foi só em 2021, em meio à pandemia do coronavírus e à crise financeira instalada mundialmente, que o Código de Defesa do Consumidor foi atualizado com a aprovação da Lei do Superendividamento. O desembargador Leonardo Bessa, que integrou a comissão responsável pela atualização, explica: “Muitas vezes o consumidor que queria comprar alguma coisa de forma financiada, ele não tinha esse acesso facilitado. Então, no Brasil não tinha problema do crédito e muito menos superendividamento”.
Para ele, porém, a maior dificuldade é tirar a lei do papel: “Uma boa norma não basta. É preciso que o consumidor conheça seus direitos e saiba onde buscar soluções — seja na Justiça ou em vias administrativas.”
Da mobilização popular ao judiciário
Muito antes do CDC, movimentos sociais já pressionavam por direitos. Em Minas, em 1983, surgia o Movimento das Donas de Casa e Consumidores, com a missão de defender os interesses da população. “Naquela época a luta era contra as grandes indústrias. Eles não eram culpados pela inflação, mas quem apresentava para o público em geral eram as indústrias que vendiam para os supermercados e açougues. Era uma queda de braço desigual”, relembra Solange Medeiros, coordenadora do movimento.
O balcão do Procon se consolidou como porta de entrada para quem tenta resolver conflitos sem recorrer à Justiça. Em Minas, o perfil das queixas mudou nos últimos anos, acelerado pela pandemia. “Historicamente, telecomunicações lideravam as reclamações. Depois da pandemia, os problemas passaram a ser financeiros: empréstimos, cartões de crédito, financiamento”, explica Marcelo Barbosa, coordenador do Procon da ALMG. Segundo Marcelo, o público que procura o Procon tem também um perfil: “De cada 10 consumidores atendidos, 7 têm problemas de dinheiro. A maioria são idosos, aposentados e pensionistas”.
Quando não há acordo administrativo, resta a via judicial. Com o Código, o Judiciário precisou se adaptar ao crescimento das demandas. Em 1995, vieram os Juizados Especiais Cíveis, que tornaram o acesso mais rápido e barato. Nesse cenário, a Defensoria Pública tem papel central. “Nosso trabalho é garantir o acesso a direitos de quem mais precisa. Se necessário, ingressamos com ações contra empresas que causaram danos ao consumidor”, destaca a defensora pública-geral de Minas Gerais, Raquel da Costa Dias.
Futuro do Código
O Código de Defesa do Consumidor foi escrito antes da popularização da internet. Por isso, o texto não prevê pontos que hoje são fundamentais nas relações de consumo. “Se você for ler o CDC, não aparece a palavra ‘comércio eletrônico’ e nem ‘internet’”, explica Marcelo Barbosa, coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Com a explosão do consumo online, marketplaces e redes sociais se transformaram em vitrines digitais. Foi nesse ambiente que a influenciadora Quécia Montino, conhecida como @FadinhadoConsumidor, viu espaço para traduzir a lei ao dia a dia das pessoas.“Quando comecei, em 2021, tinha pouco conteúdo sobre direito do consumidor nas redes. Faço esse trabalho para conscientizar as pessoas sobre seus direitos mais básicos do dia a dia.”
Trinta e cinco anos depois, o CDC segue atual pela força dos seus princípios. Mas especialistas alertam: é hora de fechar lacunas e acelerar a modernização para garantir proteção em um mercado cada vez mais digital, veloz e globalizado.