Um novo conjunto de evidências científicas indica que bebidas zero e diet podem representar um risco ainda maior ao fígado do que os refrigerantes tradicionais. Apresentado na Semana Europeia de Gastroenterologia, em Berlim, o estudo revela que versões com pouco ou nenhum açúcar estão mais fortemente associadas ao acúmulo de gordura hepática e à disfunção metabólica.
O trabalho analisou dados de 123.788 participantes do UK Biobank, todos sem diagnóstico prévio de doença hepática no início da pesquisa, acompanhados por mais de dez anos. Para avaliar o consumo de bebidas, os cientistas utilizaram questionários alimentares repetidos de 24 horas, respondidos periodicamente pelos voluntários. Essa metodologia permitiu captar padrões reais e variáveis de ingestão, reduzindo o efeito de respostas isoladas e aumentando a precisão sobre o que os participantes efetivamente consumiam ao longo do tempo.
As informações alimentares foram então cruzadas com registros clínicos, exames, prontuários hospitalares e dados de mortalidade. A partir desse conjunto, os pesquisadores estimaram as associações entre o volume diário de bebidas açucaradas ou não açucaradas e os riscos de desenvolver diferentes condições hepáticas, incluindo esteatose, doença hepática alcoólica e mortalidade relacionada ao fígado.
Os resultados mostram que o consumo diário acima de 250 gramas de bebidas com baixo teor de açúcar ou sem açúcar elevou em 60% o risco de desenvolver MASLD (doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica). Entre consumidores de refrigerantes tradicionais, o aumento observado foi de 50%. Ao término do acompanhamento, 1.178 participantes desenvolveram MASLD e 108 morreram por complicações hepáticas.
O impacto negativo das versões zero e diet também apareceu em níveis considerados moderados: o consumo de uma única lata por dia já se associou a maior probabilidade de evolução para gordura hepática. Apesar de vendidas como alternativas mais leves, as bebidas adoçadas artificialmente não demonstraram qualquer proteção metabólica em relação às versões açucaradas.
Segundo os autores, ambas contribuem para sobrecarga hepática e piora de marcadores metabólicos, mas por mecanismos distintos. Nos refrigerantes convencionais, o problema envolve picos de glicose e insulina, aumento do ácido úrico e ganho de peso. Já os adoçantes artificiais podem alterar a microbiota intestinal, interferir em sinais de saciedade e estimular a secreção de insulina, favorecendo a deposição de gordura no fígado mesmo sem o aporte calórico do açúcar.
O estudo também modelou cenários de substituição alimentar. Trocar qualquer uma das bebidas por água reduziu o risco de doença hepática alcoólica: queda de 12,8% ao substituir refrigerantes açucarados e de 15,2% ao trocar opções zero ou diet. A simples substituição de versões tradicionais por versões diet, porém, não mostrou benefício, indicando riscos semelhantes para o fígado.
A MASLD, anteriormente conhecida como doença hepática gordurosa não alcoólica, é hoje a condição hepática crônica mais prevalente no mundo, afetando mais de 30% da população adulta. A evolução pode incluir inflamação, dor abdominal, fadiga e perda de apetite, podendo avançar para cirrose e carcinoma hepatocelular.
“As bebidas açucaradas têm sido alvo de escrutínio há muito tempo, enquanto suas alternativas ‘diet’ são frequentemente vistas como opções mais saudáveis. Ambas, no entanto, são amplamente consumidas e seus efeitos na saúde do fígado não são bem compreendidos”, afirmou a autora principal do estudo, Lihe Liu.
“A abordagem mais segura é limitar o consumo de bebidas adoçadas com açúcar e adoçadas artificialmente. A água continua sendo a melhor opção, pois reduz a sobrecarga metabólica e previne o acúmulo de gordura no fígado”, completou.
