A própria ideia de “virada do ano” tem origem ancestral. Povos antigos, como babilônios, romanos e celtas, já realizavam celebrações ligadas ao calendário, às colheitas e aos ciclos da natureza. Esses ritos serviam para agradecer pelo que passou, pedir proteção para o futuro, renovar esperarnças e alianças. No Brasil, esse espírito ganhou força com a miscigenação cultural e religiosa.
Vestir branco, pular sete ondas, fazer pedidos à meia-noite e reunir-se com quem está por perto. O réveillon brasileiro vai muito além da contagem regressiva e dos fogos de artifício. Os rituais repetidos de norte a sul do país carregam origens históricas, culturais e religiosas que atravessaram séculos e se misturaram até formar uma celebração tipicamente brasileira.
Mais do que superstição, especialistas apontam que esses costumes funcionam como ritos de passagem, marcando simbolicamente o fim de um ciclo e a abertura de outro. Um comportamento presente em diversas civilizações desde a Antiguidade.
Um encontro de culturas
A forma como o Brasil celebra a chegada do Ano Novo é resultado direto da miscigenação cultural do país. Elementos das religiões de matriz africana, tradições europeias, práticas indígenas e interpretações contemporâneas se entrelaçaram ao longo do tempo, criando um Réveillon plural e cheio de significados.
“O ser humano sempre precisou ritualizar o tempo. A virada do ano representa uma pausa simbólica para reorganizar a vida, projetar desejos e renovar esperanças”, explicam antropólogos e estudiosos das religiões.
Vestir branco: legado do Candomblé
Um dos rituais mais populares do réveillon brasileiro, vestir branco tem origem principalmente nas religiões afro-brasileiras, como o candomblé. A cor está associada à paz, à purificação e à proteção espiritual, além de representar Oxalá, orixá ligado à criação e ao equilíbrio.
Com o passar dos anos, o costume se popularizou e passou a ser adotado por pessoas de diferentes crenças, mantendo o significado simbólico de começar o ano com leveza e harmonia.
Pular sete ondas: a Umbanda e o poder do mar
Tradicionalmente praticado nas praias, o ritual de pular sete ondas está ligado à umbanda e ao culto a Iemanjá, orixá das águas salgadas. O mar, nesse contexto, simboliza origem da vida, movimento e capacidade de renovação.
O número sete, considerado sagrado em diversas culturas e religiões, representa espiritualidade e totalidade. Cada onda pulada costuma corresponder a um pedido ou desejo para o novo ano, em um gesto simbólico de superação e limpeza das energias passadas.
Fazer pedidos à meia-noite: intenção e esperança
O hábito de fazer pedidos na virada do ano não pertence a uma cultura específica. Ele está presente em tradições antigas de diferentes povos, que acreditavam no poder da palavra e da intenção em momentos de transição do tempo.
A meia-noite do dia 31 de dezembro é vista simbolicamente como um “portal”, quando desejos, metas e promessas ganham força. Mesmo entre quem não segue crenças espirituais, o gesto funciona como um exercício de foco, planejamento e esperança.
Celebrar junto: a força ancestral do coletivo
Reunir-se com familiares, amigos ou até desconhecidos na virada do ano também tem raízes ancestrais em diversas culturas, como romanos, celtas e germânicos. Em sociedades antigas, ritos importantes nunca eram realizados de forma solitária. A presença do grupo simbolizava proteção, continuidade e pertencimento. Na China, no sudeste asiático e na África Ocidental o costume foi adotado na antiguidade, bem como os povos indígenas das Américas.
No Brasil, essa tradição se manifesta tanto em celebrações íntimas quanto em grandes festas públicas, especialmente nas praias e praças, reforçando o caráter coletivo do réveillon.
Outros costumes que atravessaram fronteiras
Além dos rituais mais conhecidos, outros hábitos também fazem parte da virada do ano no Brasil:
Comer lentilha, tradição de origem italiana, associada à prosperidade e abundância.
Usar roupas novas, costume europeu que simboliza renovação e novos começos.
Guardar sementes ou grãos, prática ligada a antigas culturas agrícolas, representando fertilidade e crescimento.
Um ritual de esperança coletiva
Independentemente da religião ou da região do país, o réveillon no Brasil se consolidou como um ritual coletivo de esperança. Gestos simples, repetidos ano após ano, ajudam a dar sentido ao tempo, fortalecer vínculos e alimentar o desejo de um futuro melhor.
Mais do que acreditar que os rituais mudam o destino, a virada do ano convida à reflexão, ao recomeço e à construção de novos caminhos. Uma tradição que segue viva na cultura brasileira, atravessando gerações.