O Brasil finalmente está propondo a solução correta para o problema do excesso de energias renováveis. Sim, o país tem hoje mais energia limpa e barata do que consegue consumir em determinados horários, especialmente durante o dia. E isso, ao contrário do que parece, não é um problema, é uma oportunidade. Excesso de energia limpa deve ser tratado como vantagem competitiva, e não como gargalo.
O desafio é encontrar um meio eficiente de transformar esse excedente em benefício econômico e social. E o Ministério de Minas e Energia, ao anunciar o primeiro leilão de baterias para abril de 2026, dá um passo importante nessa direção.
A proposta é simples e intuitiva: instalar baterias no sistema elétrico nacional para armazenar energia limpa e barata nos horários de alta produção, como no meio do dia, quando a geração solar e eólica atingem o pico, e liberá-la nas horas de maior demanda, como no início da noite, quando o consumo aumenta e a produção cai. Isso garante mais estabilidade ao sistema, reduz a necessidade de acionar termelétricas — que são caras e poluentes — e diminui o custo da energia para o consumidor final.
Em resumo, trata-se de uma tecnologia para transformar um excesso momentâneo de energia em segurança energética e previsibilidade de preços. Essa é uma mudança de paradigma. Durante muito tempo, o Brasil tratou o excesso de energia renovável como um problema de planejamento e não como vantagem. Ao incorporar baterias, o país começa a fechar o ciclo da transição energética, criando um sistema elétrico mais flexível, moderno e sustentável.
É um movimento que segue a tendência global. Estados Unidos, Europa e China já investem em sistemas de armazenamento para reduzir a dependência de fontes fósseis. E o Brasil, com uma matriz elétrica que já é 87% renovável, tem vantagem competitiva natural para se tornar referência mundial nesse tema também.
Mas, como toda boa ideia, a proposta ainda precisa ser detalhada e bem desenhada tecnicamente. Ainda não está claro, por exemplo, como será feita a remuneração dos fornecedores de baterias. Será pelo volume de energia efetivamente armazenado e liberado ou pela simples disponibilidade de capacidade de armazenamento? Também não está definido se haverá garantia de compra da energia armazenada, o que daria previsibilidade de receita, ou se as empresas poderão praticar arbitragem de energia — comprando nos horários de menor preço e vendendo nos picos, quando a energia é mais cara.
Essas definições serão cruciais para garantir segurança jurídica, atratividade econômica e estabilidade regulatória, sem as quais o leilão pode perder o interesse dos investidores.
Se o desenho for bem feito, todos ganham.
Ganham as empresas de baterias, que terão um mercado com escala; ganha o sistema elétrico brasileiro, com mais segurança operacional e maior capacidade de resposta nos horários de pico; ganha o consumidor, com tarifas mais estáveis e potencialmente mais baixas; e ganha o país, que se consolida como líder em energia limpa, agregando tecnologia e sustentabilidade ao setor elétrico.
Em economia, não existe alquimia. Nenhum sistema elétrico pode ser sustentável a longo prazo sem eficiência econômica e estabilidade técnica. A energia limpa, por si só, não resolve tudo. É preciso armazená-la, gerenciá-la e distribuí-la bem. O armazenamento por baterias é justamente o elo que faltava entre o avanço tecnológico e o benefício social da energia renovável.
Se o país acertar na modelagem, o Brasil pode transformar o que antes era um excesso em um ativo estratégico de competitividade global.
