A COP30 prometia ser o evento da “responsabilidade”. Foi o próprio presidente Lula quem disse que seria uma conferência austera, voltada à ação, sem gastos supérfluos nem encenações. Belém, no coração da Amazônia, a escolhida como o símbolo da coerência, o palco em que o Brasil mostraria ao mundo que é possível conciliar floresta e prosperidade, natureza e desenvolvimento. Mas o roteiro se perdeu. E o que era para ser um capítulo histórico na diplomacia ambiental brasileira se transforma, ironicamente, num naufrágio político, logístico e simbólico.
O luxo, o calor e o caos
A imagem de um presidente hospedado num iate de luxo, enquanto falta água, comida e estrutura básica para milhares de participantes, é o retrato fiel da desconexão entre o discurso e a prática. O governo recusou um navio adaptado pela Marinha, que simbolizaria eficiência e sobriedade, para escolher o conforto e o glamour de uma embarcação privada. É um gesto que grita alto, e destoa de qualquer narrativa de “COP da responsabilidade”.
Belém, generosa e vibrante, nunca teve a estrutura para receber um evento dessa magnitude. Os gargalos da infraestrutura ficaram expostos: hospedagem improvisada, transporte precário, desabastecimento de água potável e falhas de energia. Restaurantes sem insumos, hotéis sobrecarregados, voluntários desorientados. O improviso, que é quase uma arte nacional, virou vergonha internacional.
O palco vazio da política
E se as ruas ferviam de caos, os salões da conferência ecoavam o silêncio da ausência. Líderes mundiais que prometeram presença não vieram. O evento que deveria reunir as principais vozes do planeta virou uma convenção sem protagonistas. Até mesmo empresários e ambientalistas influentes cancelaram sua ida, como o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, pelo baixo nível técnico das discussões e o caráter meramente performático do encontro.
A festa oferecida pela primeira-dama Janja da Silva, planejada como um gesto de acolhimento e projeção internacional, foi o símbolo final do fiasco: convidados que não apareceram, mesas vazias e constrangimento geral. O que era para ser a noite da diplomacia virou o retrato do isolamento.
No discurso de abertura, Lula falou em “limitar o uso de combustíveis fósseis”, “proteger o planeta”, “preservar o futuro das gerações”. Palavras bonitas, e necessárias. Mas a retórica esbarra na prática: o mesmo governo que fala em restrição aprova a exploração de petróleo em águas profundas, na foz do Amazonas, a poucos quilômetros do epicentro da COP. A contradição é gritante. Fica difícil sustentar a bandeira verde enquanto o navio da coerência afunda em mares de hipocrisia.
É claro que o Brasil tem o direito, e até o dever, de explorar seus recursos naturais de forma responsável. Mas não se pode fazer isso fingindo um discurso moralista, nem se apresentando ao mundo como o paladino da sustentabilidade. A credibilidade não sobrevive a tanta incoerência.
A desconexão entre Brasília e o mundo real
O fiasco da COP30 não é apenas um tropeço de imagem. É o reflexo de um governo que se tornou especialista em construir narrativas enquanto perde o controle do enredo. Há um abismo entre a retórica internacional de Lula e a gestão prática dos problemas domésticos, da segurança pública ao saneamento, da economia à política ambiental. A COP mostrou ao mundo que o Brasil ainda não aprendeu a transformar discurso em entrega.
A escolha de Belém, feita para simbolizar a Amazônia e o protagonismo do Norte, acabou expondo a dura realidade de um país que ainda não leva infraestrutura básica às suas capitais. Enquanto os líderes globais falam sobre transição energética, milhares de moradores da cidade convivem com falta d’água, saneamento básico, transporte deficiente e precariedade urbana. A floresta serve de palco, mas os atores seguem na plateia, invisíveis.
O saldo da COP30 é duro: um evento que se pretendia histórico e sustentável e caminha para o final marcado por improviso, contradição e desperdício. A “COP da responsabilidade” se transforma na “COP do constrangimento”. O governo brasileiro deve sair menor, e o país, que poderia ter consolidado liderança global no debate climático, deve terminar a Conferência com sua credibilidade abalada.
O problema não é apenas de imagem, é de essência. A política ambiental brasileira precisa sair da vitrine e voltar ao chão. É preciso menos retórica e mais engenharia, menos espetáculo e mais estrutura. A Amazônia não precisa de discursos; precisa de obras, saneamento, tecnologia e dignidade.
A COP30, ao que tudo indica, ficará registrada como um grande evento vazio, um banquete de promessas mal servidas. E talvez o mais triste disso tudo seja perceber que, enquanto os refletores se apagam em Belém, a floresta continua em silêncio, esperando por ações que dificilmente virão.
