Minas Gerais parece, enfim, ter encontrado um fio de luz no túnel fiscal que há décadas a aprisiona. O governo do Estado deu um passo ousado, e, ao mesmo tempo, tecnicamente coerente, ao incluir a Cemig na proposta de adesão do Estado ao Propag, o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados e do Distrito Federal, criado pelo governo federal para reequilibrar as contas regionais e encerrar a novela das dívidas com a União.
Por trás do economês, há uma escolha política e administrativa relevante. Colocar o patrimônio mineiro para trabalhar a favor do Estado, e não contra ele. A Cemig, um orgulho dos mineiros, não está sendo entregue nem vendida, está sendo ofertada como instrumento de modernização e fôlego financeiro, dentro de um modelo que mantém o controle público e aumenta a eficiência corporativa.
A dívida que sufoca e o programa que liberta
O endividamento mineiro é uma ferida antiga. São mais de R$160 bilhões devidos à União, uma conta imoral e impagável sem um redesenho estrutural. Desde os tempos do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), Minas vinha tentando renegociar, mas o modelo anterior engessava o Estado e travava investimentos essenciais.
O Propag trouxe uma alternativa mais equilibrada: 30 anos de prazo, juros reais zerados e correção apenas pelo IPCA, além da possibilidade de abatimento de até 20% da dívida para estados que mantiverem equilíbrio fiscal e aplicarem recursos em áreas prioritárias como saúde, educação e infraestrutura.
Em outras palavras, o Propag é uma chance de ouro para que Minas saia da UTI fiscal e volte a respirar com autonomia. E é aí que entra a estratégia de incluir a Cemig no pacote de ativos e garantias, um movimento que pode redefinir a relação do Estado com o seu principal patrimônio energético.
O ponto mais polêmico, e mais interessante, da proposta é a transformação da Cemig em uma “corporation”. O termo pode parecer distante, mas o conceito é simples: uma empresa sem controlador único, com capital pulverizado e governança mais moderna, transparente e aberta ao mercado.
Diferente da privatização, o modelo não implica perda de controle público. O governo estadual continuaria com uma golden share, aquela ação especial com poder de veto em decisões estratégicas. Isso garante que o Estado preserve influência sobre temas centrais, como tarifas, política de investimentos e controle de ativos energéticos.
Na prática, o modelo dá à Cemig o melhor dos dois mundos: agilidade de empresa privada e responsabilidade pública, além de permitir atrair capital, inovar em energia renovável, investir em infraestrutura e competir em um setor cada vez mais exigente, sem as amarras do direito público e de políticas que frequentemente paralisam as estatais brasileiras.
Há quem critique a ideia de usar empresas públicas como moeda de negociação, mas é preciso separar paixão de pragmatismo. O que o governo mineiro propõe não é “vender Minas”, mas reinventar o papel do Estado. Em vez de dono e interventor, o Estado torna-se gestor e regulador, o que é mais leve, mais racional e mais focado em resultados. A proposta coloca Minas no mapa de uma nova geração de governos estaduais que equilibram contas sem aumentar impostos e sem comprometer o investimento público.
Além disso, o uso de ativos estratégicos como garantia e âncora de credibilidade dá força à negociação com a União. Não se trata de enfraquecer o Estado, mas de fortalecer a confiança federativa, e mostrar que Minas tem lastro, seriedade e condições de honrar compromissos.
A Cemig é muito mais do que uma empresa de energia: ela é símbolo de Minas. Presente em mais de 800 municípios, emprega milhares de trabalhadores diretos e indiretos, movimenta a cadeia produtiva e leva eletricidade e desenvolvimento aos cantos mais distantes do estado.
Hoje, o setor exige inovação tecnológica, transição para fontes limpas, inteligência digital e investimentos bilionários em redes inteligentes, e uma empresa estatal, sozinha, com limitações orçamentárias e travas de governança, não consegue acompanhar esse ritmo.Transformá-la em corporation é uma maneira de garantir sua sustentabilidade, competitividade e expansão, algo que beneficia o consumidor, o investidor e o Estado.
A Cemig passa a ser vista não como problema, mas como solução.Um ativo estratégico que, bem estruturado, pode multiplicar o valor do Estado e gerar novos ciclos de investimento.
Com as contas equilibradas, o Estado ganha capacidade de planejar a longo prazo, destrava parcerias e melhora a classificação de risco. Isso significa juros mais baixos, mais obras, mais empregos e mais segurança para empreendedores e investidores.
Do ponto de vista político, Minas envia uma mensagem simbólica a Brasília: é possível dialogar sem se submeter, negociar sem brigar e reformar sem paralisar. O Estado mostra maturidade federativa e senso de oportunidade.
É claro que o otimismo não dispensa cautela.
A modelagem precisa ser transparente, a valoração da Cemig deve ser feita com rigor técnico e o controle social precisa ser garantido. Mas esses são desafios operacionais, não impedimentos estratégicos.
O debate na Assembleia Legislativa e na sociedade civil é fundamental, não para barrar o avanço, mas para aperfeiçoá-lo. Se bem conduzido, o projeto pode representar o início de uma nova era para Minas Gerais. O movimento da Cemig dentro do Propag é, acima de tudo, inteligência administrativa e confiança no futuro.
Se a Cemig ajudar a iluminar esse caminho, que essa luz não se apague, nem na economia, nem na consciência de quem governa.
