O teatro da oposição na Assembleia de Minas

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A voz de um deputado é respeitável e deve ser combativa. Mas, ao puxar o debate para o terreno do afeto e do espanto, foge da urgência que se impõe: transparência, planejamento e compromisso com a solvência do Estado (Foto: Daniel Protzner/ALMG)

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Quando a deputada Beatriz Cerqueira (PT) subiu à tribuna da Assembleia Legislativa para questionar o governo Zema sobre a federalização da Codemig, parecia encarnar a figura de paladina do patrimônio público. Em tom dramático, denunciou a falta de transparência, a ausência de um “valuation” atual da companhia e puxou até o Hospital Risoleta Neves para o campo de batalha, misturando emoção, omissões técnicas e uma dose generosa de teatralidade.

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O valuation que virou cortina de fumaça

Segundo Beatriz, o governo estadual estaria entregando a Codemig “sem nem saber quanto ela vale”. A crítica soa nobre, mas ignora um detalhe importante para o exercício de uma oposição minimamente honesta: quem faz a avaliação no contexto do Propag é o BNDES, em conjunto com o Tesouro Nacional, ambos órgãos do governo federal, comandado pelo partido da própria deputada. Aliás, o projeto de repactuação da dívida também vem desse mesmo governo.

O estudo anterior, feito pelo Goldman Sachs em 2023, estimava a empresa entre US$ 4 e 5 bilhões, mas está defasado. E não tem valor jurídico na mesa de negociação com a União.

Cobrar dados atualizados é legítimo, claro. Mas usar essa lacuna como pivô de uma narrativa inflamada, que insinua entreguismo irresponsável, é pura encenação.

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No mesmo enredo, a deputada inseriu o Hospital Risoleta Neves, alertando para o risco de “entrega” do prédio à União. A narrativa é forte, busca emoção nas lágrimas de quem a ouve. Afinal, hospital, saúde, povo, abandono são temas sensíveis. Mas, tecnicamente, é uma tese frágil.

O prédio integra um rol de imóveis passíveis de avaliação e eventual transferência à União para abatimento da dívida. Isso significa venda? Privatização? Fechamento? Não. Significa, no máximo, uma negociação patrimonial sob mediação legal. A operação do Risoleta já está a cargo do governo federal. Oferecê-lo faria sentido, inclusive do ponto de vista da transparência do projeto.

O problema é que, na ânsia de fazer oposição ruidosa, o PT em Minas prefere soltar fumaça a jogar luz.

Essa postura errática não é novidade. A federalização da UEMG, se aprovada pela Assembleia, traria algum prejuízo a professores e alunos? Qual a diferença, para os servidores da universidade, entre uma carreira estadual e uma carreira federal? Qual a diferença, para os estudantes, em receber um diploma estadual ou federal? Nenhuma. O lamento embalado sob o pretexto da preservação do patrimônio não resiste a uma análise minimamente criteriosa e honesta.

E o Colégio Estadual Central, transformado em Instituto Federal, virou ponto de debate sob a alegação de que os alunos da região seriam prejudicados em seu deslocamento. Os dados, frios, racionais, desmontam a tese. É mínimo, extremamente mínimo, diria até desprezível, o número de alunos que moram no entorno e estudam no Estadual. A pergunta que fica é: a oposição teme a qualidade do ensino federal?

E quanto à Cemig e à Copasa, há anos na mira de discussões sobre capitalização, parcerias e até privatização, a oposição ora se mostra estatizante demais, ora reformista de ocasião. As informações indicam que a PEC que derruba a exigência de referendo popular para a venda das estatais se aplicaria apenas à Copasa, conforme a vontade de alguns deputados, preservando a Cemig como patrimônio do governo de Minas.

E aqui falta coerência e sobram gritos. O governo federal manifesta, nos bastidores, interesse na Cemig, e não na Copasa, como ativo para abatimento da dívida. Os deputados da oposição vão caminhar na contramão do governo que dizem representar?

Patrimônio público não é enredo, é responsabilidade

A verdade é que Minas vive um colapso fiscal estrutural. A dívida com a União já supera R$ 165 bilhões. Discutir o que e como negociar é legítimo. Mas isso não se faz com panfletagem ideológica, e muito menos com lágrimas de crocodilo na tribuna.

Minas precisa de uma oposição crítica, lúcida e tecnicamente preparada, que compreenda o jogo fiscal federativo. Que não use o patrimônio público como cortina de fumaça para embates políticos rasteiros. Que pare de se indignar seletivamente.

A voz de um deputado é respeitável e deve ser combativa. Mas, ao puxar o debate para o terreno do afeto e do espanto, foge da urgência que se impõe: transparência, planejamento e compromisso com a solvência do Estado.

A Codemig virou símbolo de um problema maior: a desconexão entre a política mineira e a realidade. E a oposição, em vez de bússola, tem sido biruta. Oscila entre tecnicismo improvisado e drama institucional, sem costurar coerência.

Minas não precisa de um teatro. Precisa de gestão responsável, debate honesto e uma oposição que jogue menos para a plateia e mais para o futuro.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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