O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu recentemente que os estados não podem cobrar, de forma retroativa, o ICMS sobre transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. A decisão foi tomada no julgamento de um recurso com repercussão geral, ou seja, que se aplica a todos os casos semelhantes no país. A medida afasta a possibilidade de os fiscos estaduais exigirem esse imposto de períodos anteriores a 2024, mesmo quando as empresas não tinham ações judiciais em andamento sobre o tema.
A controvérsia surgiu a partir da chamada Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49 (ADC 49), julgada em 2021. Naquele julgamento, o STF entendeu que não há fato gerador de ICMS nas movimentações de mercadorias entre filiais de uma mesma empresa, localizadas em estados diferentes. Como essa decisão representou uma mudança de entendimento, o tribunal estabeleceu que os efeitos valeriam apenas a partir de 1º de janeiro de 2024. Porém, ficou uma dúvida: estados poderiam cobrar o imposto retroativamente nos casos em que o contribuinte não tivesse contestado judicialmente a cobrança até 2021?
Alguns estados passaram a interpretar que sim, especialmente no intervalo entre a decisão de 2021 e o início da vigência da nova regra em 2024. Com isso, empresas começaram a receber notificações fiscais cobrando o ICMS sobre transferências realizadas entre 2021 e 2023. A situação gerou insegurança jurídica e temor de aumento de custos inesperados para o setor produtivo, já que muitas companhias haviam deixado de recolher o imposto confiando na futura vigência da decisão do STF.
No novo julgamento, o STF foi chamado a esclarecer essa questão. Por maioria de votos, os ministros definiram que não é possível essa cobrança retroativa. O entendimento firmado foi o de que a modulação de efeitos feita em 2021, na ADC 49, não autoriza os estados a cobrarem ICMS sobre operações passadas. Segundo o relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, a intenção da Corte nunca foi permitir que os fiscos estaduais cobrassem o imposto retroativamente em relação a empresas que confiaram na decisão da Corte, ainda que não tivessem ingressado com ações judiciais.
Esse esclarecimento é importante para garantir previsibilidade e segurança às empresas. Muitas delas reorganizaram suas operações logísticas e de distribuição com base no entendimento de que, a partir de 2024, o ICMS não seria mais exigido nas transferências internas entre filiais. Permitir a cobrança retroativa comprometeria esse planejamento e poderia penalizar empresas que agiram de boa-fé, seguindo o entendimento mais recente do STF. A decisão também reforça a confiança no sistema jurídico, que deve preservar a estabilidade das regras.
Além disso, a decisão do Supremo estabelece que cobranças já feitas com base nessa interpretação equivocada devem ser desconsideradas. Isso significa que autuações fiscais, exigências de pagamento e qualquer medida voltada à cobrança do imposto nesse período anterior a 2024 devem ser canceladas. Empresas que porventura tenham efetuado pagamentos nesse contexto poderão, inclusive, buscar a restituição dos valores, observadas as regras legais.
O julgamento também chamou a atenção por sua repercussão prática. Como o ICMS é um dos tributos mais relevantes do país e representa uma parcela expressiva das receitas dos estados, a discussão mobilizou diversos setores e entidades de classe. Por outro lado, do ponto de vista das empresas, trata-se de uma movimentação interna, que não gera receita nem representa uma venda efetiva. A ideia de tributar uma simples transferência de estoque entre filiais sempre foi considerada controversa.
Com essa decisão, o STF encerra uma importante polêmica tributária e pacifica o entendimento sobre o tema. A partir de agora, fica claro que a incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos do mesmo contribuinte foi considerada inconstitucional e, mais do que isso, não pode gerar cobranças retroativas. O esclarecimento dá maior segurança às empresas e reforça a necessidade de respeito aos limites fixados pelo próprio Poder Judiciário ao modular os efeitos de suas decisões.