Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode mudar a forma como o mercado e o Judiciário lidam com cooperativas médicas em crise financeira. A Quarta Turma do tribunal reconheceu que essas entidades, mesmo atuando como operadoras de planos de saúde, podem se valer do processo de recuperação judicial previsto na legislação brasileira.
O instrumento da recuperação judicial existe para permitir que empresas reorganizem suas dívidas e atividades, evitando a falência. Até pouco tempo, esse caminho estava reservado, na prática, às sociedades empresárias. No entanto, a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020 deixou claro que as sociedades cooperativas — com exceção das cooperativas de crédito — também estão incluídas entre aquelas que podem buscar essa proteção legal.
No caso julgado, uma cooperativa médica havia tido seu pedido de recuperação negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que entendeu que a legislação dos planos de saúde se sobrepunha à Lei de Recuperação Judicial. O STJ, ao reformar a decisão, concluiu que não há impedimento legal para que cooperativas médicas recorram a esse mecanismo, desde que preencham os requisitos legais.
Segundo o relator, ministro Marco Buzzi, a própria lei aponta, de maneira expressa, quais entidades estão excluídas da recuperação — e as cooperativas médicas não estão entre elas. Para ele, interpretar a norma de forma restritiva contrariaria tanto a letra quanto o espírito da lei, sobretudo diante do papel econômico e social relevante que essas instituições desempenham.
A decisão também levou em conta o impacto social que a eventual paralisação das atividades de uma cooperativa médica pode causar. Como prestadoras de serviços essenciais à saúde, sua continuidade afeta diretamente cooperados e pacientes, o que reforça a importância de mecanismos legais que permitam sua reorganização.
Embora ainda não tenha efeito vinculante, o julgamento deve influenciar casos semelhantes nas instâncias inferiores, criando um precedente importante. Outras cooperativas do setor de saúde suplementar que enfrentam dificuldades podem agora considerar a recuperação judicial como uma alternativa viável para evitar a insolvência.
Com esse entendimento, o STJ contribui para ampliar as ferramentas à disposição das cooperativas médicas e reforça uma leitura da lei mais atenta à realidade econômica do setor. O foco passa a ser menos a forma jurídica da entidade e mais a atividade que ela desempenha no mercado.
Em tempos de pressão sobre o sistema de saúde, reconhecer a possibilidade de reestruturação dessas entidades pode significar preservar serviços, empregos e relações contratuais essenciais. A decisão, portanto, não trata apenas de técnica jurídica, mas também de continuidade e impacto social.