*Esta coluna foi construída a partir de pesquisa nos principais jornais, sites, agências de notícias e documentos oficiais, relacionados ao fim do texto.
Era para ser a “COP da Amazônia”, a COP da floresta, da responsabilidade e do exemplo. Dez anos depois do Acordo de Paris, Belém foi vendida ao mundo como palco simbólico de uma virada histórica: o planeta se reuniria no coração da floresta para provar que ainda há tempo de evitar o pior. Na prática, o que se vê é uma vitrine planetária de improviso, luxo fora de lugar, logística caótica e um governo brasileiro que abriu mão da narrativa de liderança climática para entrar na história com um apelido devastador: Flop 30.
Enquanto o termômetro da Terra sobe, a temperatura política da conferência despenca. A Cúpula de Líderes que antecedeu a COP30 reuniu algo entre 28 e 31 chefes de Estado, praticamente a metade dos 59 da COP29 e muito menos que os 80 da edição anterior. Os maiores emissores, EUA, China e Índia, simplesmente não apareceram no nível de chefes de Estado.
A COP da exclusão: hotel caro, delegação menor
Muito antes da cerimônia de abertura, o desastre já se anunciava. Belém nunca teve estrutura para receber 50 mil pessoas. Resultado: diárias chegando a R$6.500, imóveis comuns sendo ofertados por mais de R$1 milhão para o período da COP.
Delegações da África e do Pacífico alertaram que talvez não conseguiriam participar por causa dos preços abusivos. A ONU então recomendou que suas próprias agências limitassem o envio de funcionários, um gesto raríssimo em conferências desse porte.
Com menos de um quarto das delegações com hospedagem confirmada a três meses do evento, o Brasil apelou para soluções improvisadas: navios de cruzeiro, alojamentos militares, igrejas e hotéis adaptados. Um e-mail vazado, publicado pela imprensa, revelou que o governo ofereceu cabines gratuitas em navios para países pobres, custeadas por “doadores privados” e articuladas com o PNUD.
A Secretaria Extraordinária da COP30 chegou a admitir que a especulação imobiliária poderia caracterizar crime contra a economia popular.
A carta da ONU: do constrangimento ao documento oficial
Os problemas não ficaram restritos à hospedagem. Falhas de refrigeração, falta de água em banheiros, filas e dificuldades de circulação foram relatadas já nos primeiros dias. O ponto crítico veio com a invasão da Blue Zone, área oficial de negociações, por manifestantes, inclusive grupos indígenas que se sentiram excluídos das decisões sobre seus próprios territórios.
O episódio fez o chefe de clima da ONU enviar uma carta formal ao governo brasileiro cobrando:
– segurança reforçada;
– revisão do controle de acesso;
– medidas emergenciais para calor e riscos estruturais no pavilhão;
– garantias contra novas falhas de organização.
A carta da ONU reclamando da organização de uma COP não é detalhe, é um alerta diplomático severo.
O luxo do iate em meio ao improviso
Nesse ambiente de precariedade, a opção de hospedagem do presidente Lula e da primeira-dama Janja virou símbolo de incoerência: um iate de luxo ancorado em Belém, com diárias entre R$2,7 mil e R$5,3 mil. Tudo isso na COP em que delegações pobres disputam vagas em alojamentos improvisados.
Para completar, o coquetel oferecido pela primeira-dama para chefes de Estado simplesmente não teve convidados presentes, o salão ficou vazio.
Floresta derrubada para salvar o clima?
A contradição não parou na estética, avançou sobre o território. A construção da Avenida Liberdade, parte da logística da COP30, foi feita cortando área sensível e incentivando um padrão “espinha de peixe” que acelera o desmatamento. Espécies ameaçadas e comunidades tradicionais registraram impactos diretos da obra.
Paralelamente, o governo avançou com a liberação da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, medida criticada por ambientalistas e povos indígenas às vésperas da conferência. Discurso contra combustíveis fósseis no palco, perfuração autorizada a alguns quilômetros dali: a incoerência virou política oficial.
A COP dos lobistas
Outro destaque negativo: o número recorde de lobistas de combustíveis fósseis credenciados. São mais de 1.600, superando a delegação de quase todos os países, e até a própria delegação brasileira. Enquanto isso, grupos vulneráveis, países pobres e comunidades tradicionais lutavam por hospedagem e alimentação básica.
Quando até a ONU perde a paciência
Relatórios internos já indicavam meses antes que os preços abusivos criavam risco de exclusão de delegações. Obras do “Leaders’ Village” ficaram atrasadas por greves e erros de planejamento, aumentando a sensação de improviso. O governo negava problemas, acusava a imprensa de pessimismo e insistia no discurso de que “estava tudo sob controle”. A carta da ONU, o remanejamento de delegações e o apelido “Flop 30” mostram que não estava.
O legado que fica
É verdade que houve avanços pontuais,declarações sobre pobreza, fome e financiamento climático. Mas o ponto essencial é outro: o Brasil desperdiça a oportunidade histórica de liderar a agenda climática com seriedade.
Em vez disso, entrega: improviso; contradições; infraestrutura precária; incoerência entre discurso e prática; uma conferência esvaziada de chefes de Estado; e um cenário de especulação, constrangimentos diplomáticos e desgaste internacional.
O Brasil merece mais. A Amazônia merece mais. O mundo merecmais. O que recebe é o retrato da vaidade, da desorganização e do desperdício.
Flop 30 não é apenas um apelido, é a assinatura de uma oportunidade perdida.
=========
Referências
THE GUARDIAN. ONU orienta limitar envio de funcionários à COP30 devido a preços de hospedagem em Belém. Londres, 2025.
THE GUARDIAN. Delegações africanas e do Pacífico reduzem equipes por custo de hotelaria na COP30. Londres, 2025.
UOL. Hotéis de Belém cobram valores abusivos e podem cometer crime contra economia popular. São Paulo, 2025.
O GLOBO. Governo oferece cabines gratuitas em navios a delegações pobres para a COP30. Rio de Janeiro, 2025.
FOLHA DE S.PAULO. Alojamentos improvisados durante a COP30. São Paulo, 2025.
ESTADÃO. Lula e Janja usam iate de luxo durante a COP30. São Paulo, 2025.
ESTADÃO. Cúpula de Líderes da COP30 tem presença esvaziada. São Paulo, 2025. ASSOCIATED PRESS. Invasão da Blue Zone durante a COP30. Nova York, 2025.
UNFCCC – ONU. Carta oficial cobrando melhorias de infraestrutura e segurança na COP30. Bonn, 2025.
REUTERS. Problemas de água e refrigeração na COP30. Londres, 2025.
O GLOBO. Coquetel da primeira-dama termina vazio e gera constrangimento. Rio de Janeiro, 2025.
MONGABAY. Avenida Liberdade causa impacto ambiental. 2025.
INFOAMAZONIA. Exploração de petróleo avança na Foz do Amazonas antes da COP30. 2025.
THE GUARDIAN. COP30 registra recorde de lobistas de combustíveis fósseis. Londres, 2025.
BRASIL. Relatório preliminar sobre hospedagem e exclusão de delegações. Brasília, 2025.
AGÊNCIA ESTADO. Atrasos e greves no Leaders’ Village comprometeram organização da COP30. São Paulo, 2025.
UNFCCC – ONU. Declarações sobre financiamento climático e adaptação. Bonn, 2025
