O metrô de Belo Horizonte sempre foi um fantasma elegante. Paira no horizonte da mobilidade urbana desde os anos 80, mas nunca se materializou como deveria, e agora, mais de quatro décadas depois, a tão sonhada expansão da malha metroviária finalmente começou a dar sinais de vida com o início das obras da Linha 2, entre o Calafate e o Barreiro. Uma vitória? Pode ser, mas vem acompanhada de um asterisco: a implantação de uma via singela.
Traduzindo. Será uma única linha de trilho entre as estações Ferrugem e Barreiro, compartilhada nos dois sentidos. Um trilho só, dois trens, e uma promessa coreografada de que tudo vai funcionar perfeitamente, com intervalos de sete minutos e meio entre as composições. Parece uma solução técnica, mas é um pacto com a incompetência.
Trilho único, problema duplo.
O que pode parecer um detalhe de engenharia carrega implicações profundas. O Barreiro é a segunda região mais populosa da capital, com mais de 300 mil habitantes, e uma das que mais sofre com deslocamentos diários longos e desconfortáveis.
A MetroBH trata como conquista um intervalo de sete minutos e meio para cada composição da linha Calafate-Barreiro, mas se fizermos uma comparação, por exemplo, com o metrô de São Paulo, as linhas mais carregadas operam com intervalos de 90 a 150 segundos nos horários de pico. No Rio de Janeiro, a Linha 1, que também, originalmente, tinha trechos em via singela, mas foi corrigida com o tempo, hoje tem intervalos de cerca de 4 minutos. Em BH, a média atual da Linha 1 gira em torno de 6 a 10 minutos, e é frequentemente alvo de críticas por atrasos e superlotação.
Entregar uma nova linha já limitada em capacidade, em uma região com tanta demanda reprimida, é condenar o sistema ao colapso antes mesmo da inauguração. Não há margem para erro, nem flexibilidade para manutenção, muito menos espaço para expansão. Basta uma falha técnica, um vagão quebrado ou um atraso mínimo para o caos se instalar.
A justificativa técnica é sempre a mesma: contenção de custos. A Linha 2 foi viabilizada por meio de um pacote de investimentos federais e da privatização da CBTU, hoje operada pela Comporte Participações, num contrato de concessão de 30 anos. O valor total do pacote de expansão e modernização do metrô de BH gira em torno de R$37 bilhões, dos quais R$2,8 bilhões são oriundos do governo federal e cerca de R$440 milhões da concessionária.
Se a justificativa para implantação de via singela, porque sacrificar justamente o trecho mais populoso e carente de transporte da cidade? Por que não cortar em áreas de menor impacto ou replanejar o cronograma em vez de amputar o projeto já na largada?
A verdade é dura: a via singela é a institucionalização da gambiarra. Não é uma solução temporária, não é uma etapa provisória, é o projeto final. Um sistema que nasce acanhado, carrega sua pequenez até o fim da vida útil. E o que deveria ser um projeto de mobilidade robusto e transformador, vira mais um retrato da mediocridade gerencial e da política do “tá bom assim”.
A crítica, claro, vai além dos trilhos. Vai para o lugar que se escolhe sacrificar. A escolha da via singela não foi feita no Lourdes, nem na Savassi. Foi feita no Barreiro. A mensagem é clara: para a periferia, o que der pra fazer está bom. Não é uma decisão técnica, é uma decisão política. E a engenharia, nesse caso, serve ao argumento da limitação.
O transporte público de qualidade exige mais que planilhas otimizadas. Exige coragem. Coragem de planejar o futuro com grandeza. Coragem de pensar BH como uma cidade que cresce, e não como uma que se adapta à escassez. Uma cidade que entrega mais do que o mínimo.
A Linha 2 pode até sair do papel, e isso já é um avanço num lugar onde a infraestrutura costuma andar com passos de formiga. Mas ao optar pela via singela, o projeto já nasce manco, com um olho no retrovisor e outro no limite da planilha. É a lógica do “possível”, sufocando o “necessário”.
O resultado? Um metrô pequeno, onde deveria ser grande. Um trilho único onde deveria haver integração, fluidez e ambição. E uma cidade que, mais uma vez, aceita a precariedade como destino, quando deveria exigir grandeza como direito.