A decretação de emergência em saúde pública por Belo Horizonte, Betim e Contagem não é um alerta, é um grito. Um grito de socorro de um sistema que há muito opera no fio da navalha. A explosão nos casos de doenças respiratórias, mais de 3.200 atendimentos infantis em apenas um mês, só em uma unidade de saúde em Contagem, escancara o que já sabíamos, mas fingíamos ignorar: o colapso da saúde pública não é uma ameaça futura, é o presente.
O mais preocupante é que esse colapso não é resultado de uma pandemia imprevisível ou de uma tragédia natural repentina. Ele é produto direto de anos de negligência, de subfinanciamento, de sucateamento. Quando prefeitos decretam emergência, o fazem não porque foram pegos de surpresa, mas porque não há mais como disfarçar o que está diante de todos: uma rede de saúde que vive à base do improviso, que não tem fôlego nem para atender o básico.
A abertura emergencial de leitos e a contratação temporária de profissionais funcionam como curativos em uma ferida profunda. É necessário, sim. Mas não resolve. A pergunta que não quer calar é: por que esperar o caos para agir? Os dados que indicavam o aumento dos casos circulavam desde março. E mesmo assim, medidas mais contundentes só vieram no fim de abril. O que explica esse atraso? Falta de articulação? Falta de vontade? Ou o costume institucionalizado de só reagir quando o desastre já está instalado?
Enquanto isso, quem sofre é sempre o mesmo grupo: a população mais pobre, que depende exclusivamente do SUS. São as mães que madrugam em filas com crianças no colo, os idosos que esperam horas por atendimento, os profissionais da saúde que trabalham exaustos em estruturas sobrecarregadas. Tudo isso enquanto gestores garantem à imprensa que “as unidades estão preparadas”.
Não, não estão.
Chegou a hora de abandonar o discurso da surpresa. Não há surpresa quando a tragédia é anunciada. A crise atual precisa ser tratada como o ponto de virada para uma reformulação profunda da saúde pública. Chega de planos emergenciais como solução permanente. Precisamos de investimento contínuo, planejamento sério e políticas de prevenção eficazes.
Se nada mudar, o próximo decreto de emergência já tem data marcada. A diferença é que, da próxima vez, talvez não haja mais profissionais ou leitos para sustentar a farsa.