A Polícia Militar de Minas Gerais anunciou, ontem, uma nova operação para combater os furtos de objetos no interior de veículos. A notícia, em si, soa como alento. Mas, convenhamos, também traz o amargor de algo que já deveria ser rotina, e não uma ação extraordinária.
Não estamos falando aqui de grandes quadrilhas de roubo de cargas ou de veículos para desmanche. Estamos tratando do crime urbano mais silencioso, e desprezado pelas estatísticas: o furto do que está dentro do carro. Porque a sensação de insegurança não precisa de uma arma na cabeça. Basta um vidro estilhaçado. Um cabo USB arrancado. Um painel revirado. Uma mochila, um celular, uma pasta com documentos, tudo levado sem pressa, enquanto o Estado chega sempre tarde.
A PMMG afirma que a operação será direcionada às “zonas críticas” de Belo Horizonte e Região Metropolitana, com aumento de patrulhamento, monitoramento por câmeras e ostensividade. Parece promissor. Mas há uma pergunta incômoda flutuando no ar: por que a ação é sempre pontual?
Esse tipo de furto cresce há anos, principalmente em áreas como Savassi, Funcionários, Gutierrez, Pampulha e entornos de escolas e centros comerciais. O modus operandi é repetido:desocupados mapeiam alvos fáceis, rompem janelas, pegam o que veem e somem antes que qualquer alarme de sirene possa ecoar. E o pior: em muitos casos, são reincidentes já conhecidos pelas forças de segurança.
A repressão, claro, é necessária. Mas por que a prevenção sempre vem depois da escalada do problema? Quantos boletins de ocorrência foram ignorados, quantas câmeras inoperantes serviram apenas para registro simbólico, quantas viaturas passaram sem ver?
E aqui é preciso ir além, o furto do que está dentro do carro é parte de uma cadeia mais ampla, uma microeconomia do crime que inclui receptadores, ferros-velhos, camelôs, aplicativos de revenda e estabelecimentos comerciais duvidosos. O criminoso não rouba por fetiche. Rouba porque sabe que alguém vai comprar. E enquanto não houver repressão a esse mercado subterrâneo, estaremos enxugando o para-brisa com luva de boxe.
As vítimas, por sua vez, já se adaptaram. Em BH, estacionar virou um ritual paranoico. Tira tudo de dentro do carro, esconde o celular, leva a mochila, não deixa nem óculos escuro à vista. Porque hoje, deixar um objeto visível no banco é quase um convite. A culpa? Não é do cidadão. É ausência de inteligência e políticas públicas de segurança pública.
A PM tenta agir. Merece crédito. Mas a política de segurança não pode se resumir a ações pontuais. Precisa de continuidade, integração com a Guarda Municipal, videomonitoramento em tempo real, punição aos receptadores e transparência nos dados. E, acima de tudo, precisa devolver ao cidadão o direito de estacionar sem medo.
Enquanto isso não acontece, a operação vira só manchete. E o cidadão, este segue fazendo o que pode: esvaziando o carro como quem fecha um cofre, torcendo para que, ao voltar, reste pelo menos o vidro inteiro.