O psicanalista, escritor e psicológo Eduardo Lucas Andrade, com trabalhos que unem saúde mental, educação e tecnologia, nos ajuda a desbravar a psique infantil, os atravessamentos possíveis nesta fase da vida e como lidar com questões urgentes. A temática surge no debate público nos últimos dias a partir do vídeo de denúncia do youtuber Felca e da prisão do influenciador Hytalo Santos e do marido dele, conhecido como Euro.
Para entendermos melhor a adultização, o especialista nos explica: o que é a infância e quem são as crianças do ponto de vista psicanalítico?
“A psicanálise trabalha justamente com um infantil que não nos abandona. Então, nós aqui, se a gente raspar cada adulto de nós, a gente vai encontrar uma criança. A gente vai encontrar marcas da nossa história, aquele infantil transbordando em nós e, com isso, muitas vezes, as questões que nos adoecem. Por isso que eu costumo dizer que a psicanálise não trabalha, por exemplo, com doenças, ela trabalha com pessoas que adoecem e muitos desses adoecimentos vêm do atropelo dessa dinâmica infantil”, explica Eduardo.
“Vem de um atropelo de carga e sobrecarga de questões que nos atormentam ali atrás e não são trabalhadas, que deveriam ser trabalhadas por um adulto, cuja função é nos nutrir e nos proteger, funções básicas que todo ser humano necessita”, continua.
“O ser criança precisa, dentro desse nutrir e se proteger, ter a dinâmica do lúcido, da lucidez do brincar. E a lucidez do brincar não é essa lucidez racional, onde as pessoas se defendem o tempo todo pela razão. Mas é justamente poder trabalhar o lúdico, trabalhar as fantasias, trabalhar o sonhar”, pondera.
Eduardo cita o autor de O Senhor dos Anéis, J. R. R. Tolkien, que defende como direito humano o acesso às fantastias. “Ele defende como direito humano a gente poder ter acesso às fantasias para que a gente possa dinamizar a relação com o mundo. Deste modo, ser criança deveria ser a capacidade de inventar vários mundos e não ser refém de um só”, aponta.
“A infância não se constitui sozinha, ela precisa de um outro nos emprestando verbo, linguagem, sentido, para que a gente possa herdar algo disso e fazer algo nosso. Se esse outro vem com um peso muito gritante, fazendo um empuxo para a gente ser igual a um adulto, como se a criança fosse um mini adulto, sobrecarregada ela já está. A linguagem que a criança tem para lidar com as coisas não é a mesma que o adulto tem”.
“Por isso, ser criança é a capacidade de inventar vários mundos em um mundo só para que a gente possa lidar com o espaço, o tempo e o corpo e ali a vida não cai no tédio, que é primo da angústia”, define Eduardo.