Privacidade digital: será que eu tô no controle mesmo? ou só clicando ‘aceitar tudo’ sem pensar

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E é aí que mora a ilusão do controle (Tânia Rego/Agência Brasil)

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Sabe aquele pop-up de cookies que aparece em todo site? Eu juro que tento ler, mas 9 de 10 vezes meu dedo vai direto no “aceitar tudo” como quem pega um atalho no Waze. E é aí que mora a ilusão do controle. Eu acho que estou decidindo o destino dos meus dados — quando, na real, tô só abrindo a porta para uma romaria de rastreadores. Hoje eu vou contar, em primeira pessoa e sem enrolação, como essa rastreação funciona, quem lucra com ela, por que o papo de “não tenho nada a esconder” é furado, e o mais importante: o que eu faço no meu dia a dia para reduzir o rastro sem virar o “paranoico do Wi-Fi”.

Quando eu abro um site de tênis e, como num passe de mágica, meu Instagram só fala de promo de tênis, tem um ecossistema trabalhando nos bastidores. Os principais atores:

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Cookies

Os de primeira parte (do próprio site) ajudam a manter login e carrinho. Já os de terceiros podem te seguir entre sites para montar um perfil de interesses.

Pixels e web beacons

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Imagens invisíveis de 1×1 pixel que contam que eu estive ali, que página vi, se cliquei no botão — e repassam isso a plataformas de anúncios.

Fingerprinting do navegador

Aqui a coisa fica nerd: em vez de gravar algo no meu dispositivo, o site mede características únicas (versão do navegador, fontes instaladas, resolução, fuso horário, recursos de Canvas/WebGL etc.) para me reidentificar a cada visita, mesmo que eu apague cookies. É como reconhecer um pássaro pelo canto: difícil de “apagar”. A EFF explica esse mecanismo e até permite testar o quão único é o meu browser. 

IDs de publicidade no celular (IDFA no iPhone, AAID no Android)

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São identificadores para personalizar anúncios em apps. A Apple passou a exigir permissão explícita para rastrear (o famoso pop-up do “Permitir que o app rastreie?”). No Android, dá pra resetar ou até deletar o Advertising ID nas configurações. 

Rastreamento no servidor (server-side)

Mesmo que eu bloqueie scripts no navegador, muitas empresas enviam eventos de conversão diretamente dos seus servidores para as plataformas (o “novo normal” do marketing).

Login universal e correlação cruzada

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Quando eu entro com a mesma conta em vários serviços, fica fácil ligar os pontos entre dispositivos (celular, notebook, TV).

“Mas eu não tenho nada a esconder” (eu também achava…)

Já pensei assim. Até imaginar e se todo meu histórico de buscas, localização, compras e cliques fosse público para vizinhos, colegas e concorrentes? Privacidade não é sobre esconder crime; é sobre controle e contexto. Mesmo dados “inofensivos” viram:

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Perfis preditivos (quem é mais propenso a comprar, a desistir, a dever).

Diferenciação de preço (mostrar uma oferta pra mim e outra pra você).

Microdirecionamento (influência política/comportamental com precisão cirúrgica).

No adtech, isso escala com leilões instantâneos (RTB) que disparam meus dados para dezenas ou centenas de empresas a cada página carregada. O órgão britânico de proteção de dados (ICO) já apontou preocupações sistêmicas de conformidade nesse ecossistema, incluindo perfis extremamente detalhados sendo compartilhados amplamente sem o meu conhecimento. 

Por que as empresas amam isso? (e o que está mudando)

O motor dessa indústria é anúncio personalizado. Durante anos, cookies de terceiros foram o canudo por onde os dados escorriam entre sites. Agora, há uma transição: navegadores como o Firefox vêm reforçando proteções nativas (já falo delas), e o Chrome empurra a Privacy Sandbox — com a Topics API, que tenta mostrar interesses de alto nível (“Tecnologia”, “Fitness”, etc.) sem compartilhar os sites específicos que visitei. A promessa é relevância com menos rastreamento individual (e sem cookies de terceiros). 

> Tradução livre do que isso significa pra mim: a web está procurando um meio-termo entre “anúncios 100% cegos” e “tudo sobre mim numa vitrine”. Ainda é um território em evolução e com debate quente, mas é um passo visível nessa direção. 

O que a lei brasileira (LGPD) me garante — e como eu uso isso

No Brasil, a LGPD me dá direitos como acesso aos dados que têm sobre mim, correção, eliminação, portabilidade, informação sobre com quem compartilharam e a possibilidade de revogar consentimento. Se a empresa ignorar, posso peticionar à ANPD (a autoridade nacional). Dica prática: muitos sites têm o link “Privacidade” ou “Proteção de Dados” no rodapé com um formulário do DPO/Encarregado — funciona. 

O meu kit antirrastreamento (fácil, rápido e com bom senso)

Eu não quero sumir da internet — eu só quero diminuir o vazamento. Aqui está o que eu de fato faço (e recomendo) sem transformar a navegação num campo minado:

1) Navegador: configure o que já vem de fábrica

Firefox no modo padrão já traz Enhanced Tracking Protection e o Total Cookie Protection, que isola cookies por site (um “pote de cookie” separado pra cada domínio). Resultado: fica muito mais difícil um terceiro te seguir de um site para outro. 

Ative bloqueio de rastreadores em outros browsers, se disponível. E mantenha tudo sempre atualizado.

2) Extensões que fazem diferença (sem pesar a mão)

Bloqueador de anúncios/rastreadores (ex.: uBlock Origin).

Bloqueio de fingerprinting quando possível.

Limpador de parâmetros de rastreio nas URLs (ex.: remove utm_*).

Obs.: menos é mais. Evite empilhar dez extensões que brigam entre si.

3) Buscador e e-mail

Se a sua busca vira “manual de instruções” para anúncios, teste alternativas mais focadas em privacidade.

Desative a exibição automática de imagens no e-mail ou bloqueie tracking pixels (muitos clientes já têm a opção).

4) No celular (onde a gente mais vive)

iPhone (iOS): Ajustes → Privacidade e Segurança → Rastreamento. Eu deixo “Permitir que Apps Solicitem para Rastrear” desativado. E reviso os apps um a um. 

Android: Configurações → Privacidade → Anúncios → Excluir ID de publicidade (ou Redefinir). Prático e eficaz contra parte do rastreio em apps. 

Revise permissões de localização, contatos, câmera e microfone. Muita app pede acesso “porque sim”.

5) Redes sociais e plataformas

Preferências de anúncios: reduza categorias de interesse e desative “anúncios personalizados” onde der.

Off-site tracking: recursos como “atividade fora da plataforma” (no Meta) podem ser gerenciados nas configurações.

6) Senhas e autenticação (rastreador nenhum te salva da mesma senha de 2012)

Use um gerenciador de senhas e autenticação em dois fatores (2FA).

E-mails descartáveis para cadastros “de ocasião” ajudam a conter vazamentos.

7) VPN: o que faz e o que não faz

O que faz: esconde seu IP do site e do provedor/wi-fi, útil em redes públicas.

O que não faz: não impede rastreio quando você está logado ou quando o rastreador é fingerprinting. Pense na VPN como “cortina”, não como “invisibilidade”.

Doses extras de nerdice (opcionais, mas eu curto)

DNS-over-HTTPS e HTTPS-only: criptografam mais etapas do caminho.

Conteúdo remoto bloqueado no e-mail: adeus pixels de rastreio.

Perfis separados no navegador (trabalho/pessoal) e “abas temporárias” para pesquisas sensíveis.

O que os navegadores estão fazendo por mim

Além do Firefox com bloqueios nativos (e proteção contra fingerprinting), outros navegadores têm iniciativas semelhantes. Eu vejo isso como alívio de responsabilidade: quanto mais o browser ajuda por padrão, menos eu dependo de “malabarismos”. E do lado dos anúncios, a Privacy Sandbox (ex.: Topics API) busca um modelo onde meu navegador compartilha apenas tópicos de interesse recentes, sem revelar quais sites específicos visitei. Ainda há discussão técnica e regulatória, mas é bom ver a indústria andando nessa direção. 

Plano “em 7 passos” para começar hoje (sem dor)

1. Atualize seu navegador e ative o bloqueio de rastreadores.

2. Instale um bom bloqueador de anúncios.

3. Ajuste e-mail para não carregar imagens automaticamente.

4. No iOS, desligue o rastreamento por app; no Android, delete/reset o Advertising ID. 

5. Revise permissões de localização nos apps (só “ao usar”).

6. Troque senhas fracas e ligue o 2FA.

7. Faça uma limpa nas preferências de anúncios das suas redes.

Tempo total: menos do que você gastaria brigando com aquele cookie banner que insiste em esconder o botão “Recusar”.

E se uma empresa ignorar meus pedidos?

Eu posso exercer meus direitos da LGPD diretamente com a empresa (controlador). Se nada acontecer, posso peticionar à ANPD — a autoridade brasileira que fiscaliza e orienta o cumprimento da lei. Eles têm uma página só sobre direitos do titular e como reclamar. Vale conhecer e, se preciso, usar. 

Fechando a aba (sem limpar histórico de propósito)

Privacidade 100% na internet não existe. O que existe é reduzir superfície de ataque, escolher melhor com quem eu negocio meus dados e cobrar transparência de quem vive deles. A boa notícia é que pequenas mudanças somam: um navegador bem configurado aqui, um ajuste no celular ali, um “não” para o rastreamento quando perguntarem. Se até eu entrei nessa rotina, dá pra você começar hoje também — e sem virar o “maluco do papel-alumínio”.

Referências úteis (para guardar nos favoritos)

Pesquise no Google os termos abaixo :

Fingerprinting e teste do seu navegador — EFF Cover Your Tracks. 

Proteções nativas do Firefox — ETP e Total Cookie Protection. 

Privacy Sandbox / Topics API — visão geral do Google. 

iOS — App Tracking Transparency — como funciona e onde configurar. 

Android — Advertising ID — como resetar/deletar. 

Adtech/RTB — preocupações do regulador (ICO) — relatório.

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Harlen Duque

CEO Sucesu Nacional e líder em transformação Digital na Wblio , especialista em transformação de negócios pela Stanford University , piloto de automobilismo virtual e um apaixonado pela cultura de inovação.

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