Para a construção desse texto, a coluna consultou André Luís Pimenta de Faria – MSc Eng. de Materiais – Coordenador do CIT SENAI ITR
Minas Gerais sempre conversou com o subsolo. Ouro, ferro, manganês, nióbio, lítio, são séculos em que o território mineiro empurrou o Brasil para a modernidade, às vezes pela força do minério, outras pela força da política. Agora, porém, Minas encara algo diferente. Um ativo que não define apenas ciclos econômicos, define o próprio rumo da transição energética global.
As terras raras são o coração dos motores elétricos, das turbinas eólicas, dos carros do futuro, dos computadores de alta performance e dos sistemas de energia avançada. Falar de energia limpa sem falar desses minerais é como falar em poesia sem verbo: simplesmente não existe. E Minas está diante de uma chance histórica de liderar essa nova economia.
Os estudos de impacto ambiental foram feitos, publicados, discutidos, colocados à mesa. São completos, rígidos, tecnicamente densos. Atendem à legislação, uma das mais rigorosas do mundo, e abriram portas para debates sérios.
Existem questionamentos? Claro. E ainda bem que existem.
O MPF e pesquisadores pedem aprofundamentos sobre impactos cumulativos, comportamento de rejeitos e riscos hídricos, e isso não desacredita o processo. Pelo contrário: fortalece. Processo sem crítica é processo fraco. Processo com crítica e resposta é processo sério.
É assim que países maduros avançam: discutindo, aprimorando, negociando, revisando. Minas está fazendo isso. As audiências, oficiais e populares, mostraram que a sociedade mineira está desperta, informada, presente.
Moradores, ONGs, pesquisadores, prefeitos, todos ocuparam o debate. Não é a Minas de outrora, onde decisões caíam de cima para baixo. É outra Minas, mais adulta.
Há quem peça mais acesso à informação. Há quem tema não ser ouvido. Tudo normal, e tudo administrável. A legitimidade nasce assim, com crítica e vigília. Não há transição energética sem transição democrática.
Os Estudos de Impacto Ambiental trazem programas amplos de mitigação: água, fauna, resíduos, socioeconomia e fechamento de mina. O MPF pede reforços. Os órgãos ambientais exigem garantias financeiras. As empresas se comprometem com monitoramento permanente. Esse é o mundo real: mineração moderna precisa ser murada por dados, tecnologia e transparência.
E Minas, que sofreu tanto com erros do passado, hoje fiscaliza como poucas regiões do planeta. Se há um lugar apto a fazer mineração estratégica com prudência, é aqui.
Os projetos falam em verticalização nacional, refino, separação, ligas, ímãs, e também em exportar parte da produção. Isso é saudável. O Brasil tem demanda crescente nos setores: automotivo, elétrico, eólico, tecnológico, defesa e eletrificação industrial.
Mas não absorverá tudo. Exportar é natural e desejável, desde que verticalizar seja prioridade, e não promessa vaga.
Sim, terras raras são um mercado volátil. Sim, China domina a cadeia. Sim, tarifas e choques externos podem afetar preços. Mas isso não é um destino. É um desafio. E os desafios se resolvem com política industrial, não com medo.
A solução está em quatro linhas estratégicas. Verticalizar a cadeia, o caminho mais inteligente. Refinar aqui. Purificar aqui. Produzir ligas aqui. Fabricar ímãs aqui. Criar aplicações industriais aqui.
Isso não é utopia, é o que já está acontecendo com iniciativas como o MagBras e com centros de pesquisa mineiros que ganham relevância internacional. Verticalizar significa deixar de exportar impacto e importar tecnologia. Significa transformar mineração em indústria — e indústria em inovação.
O Brasil tem boa diplomacia, neutralidade geopolítica e acesso a múltiplos mercados. EUA, Europa, Coreia, Japão, Índia, todos querem diversificar fornecedores de minerais críticos. O Brasil é um parceiro natural.
Separação avançada, metalurgia fina, ímãs permanentes de ímãs de neodímio-ferro-boro Quem domina tecnologia domina preço, mercado e narrativa. Minas tem universidades, centros de inovação e capital humano para isso.
Fundos soberanos, regras fiscais anticrise, planejamento estável. Sem isso, a riqueza evapora. Com isso, a riqueza se torna política de Estado.
Os Royalties sempre são importantes, mas insuficientes. O verdadeiro legado nasce de empregos qualificados, formação técnica, infraestrutura urbana, fornecedores locais fortalecidos, serviços especializados atraídos, aumento da renda regional, e uma cadeia produtiva que gira dentro das cidades.
Mineração que melhora hospital, escola, estrada, cultura, tecnologia e renda. É isso que transforma a mineração em futuro, e não apenas em buraco. E isso é possível. Já acontece, em maior ou menor grau, em outras regiões mineradoras do país.
Governança e participação social: não atrapalham, aceleram. Governança sólida não é entrave, é vantagem competitiva. Empreendimentos com processos transparentes operam mais tempo, com menos conflitos, menos judicialização e mais legitimidade.
Um licenciamento forte somado a uma sociedade vigilante faz um projeto estável. Minas está aprendendo essa equação — e isso abre portas.
A transição energética precisa de minerais de terras raras. Sem esses minerais, não existe eólica eficiente, carro elétrico, eletrificação da mobilidade, motores avançados ou sistemas limpos de energia. Mas isso não cria um conflito entre “aproveitar a oportunidade” e “ignorar riscos”. O país que domina minerais críticos deve unir desenvolvimento industrial e responsabilidade ambiental. E o Brasil tem condições reais de fazer isso melhor que muitos.
A pergunta não é “se devemos minerar”.
A pergunta é “como transformar isso em desenvolvimento real, limpo e duradouro”. E isso é feito com transparência, boa ciência, monitoramento sólido e política industrial alinhada, com isso a mineração deixa de ser extrativismo e se torna parte da agenda nacional de inovação energética.
Minas pode ser o coração magnético do Brasil. Minas tem diante de si uma oportunidade que aparece talvez uma vez por século: liderar a nova economia global da eletrificação. Pode ser fornecedora de tecnologia, de ímãs, de ciência e de inovação. Pode criar empregos de alta renda, atrair centros industriais, desenvolver cidades inteiras. Pode mostrar ao mundo que é possível minerar com responsabilidade e entregar futuro, não só minério.
As terras raras não são o fim. São o começo.
O começo de uma Minas que ousa mais, que planeja mais, que participa mais, que inova mais. E que finalmente percebe que o futuro não está apenas no que está debaixo da terra, mas no que fazemos com isso quando ele vem à tona.
