Ataques de cães contras pessoas, sejam adultos ou crianças, sempre rendem diversas discussões. Alguns pensam que o caminho é banir certos tipos de raças, enquanto outros, mais radicais, acreditam que o único jeito seja sacrificá-los. Em entrevista à Rede 98, a bióloga e consultora comportamental para cães e gatos, Isabela Jardim, vai além e diz que o comportamento dos cães está ligado à forma como são tratados por seus tutores, o que inclui a agressividade.
Para Isabela, o tratamento direcionado aos cães gera impactos no comportamento deles: “A gente trata nossos cães como objetos, como coisas, como seres que tem que ser subservientes à gente. Não é assim, eles têm vontade, eles têm necessidades que muitas vezes a gente não dá para eles, necessidades de exercer comportamentos naturais da espécie. Temos que olhar para o ser humano antes de olhar para o cachorro”, diz.
A bióloga e consultora traça um paralelo. “É como você ter uma posse de arma. Quem mata não é a arma, é o ser humano carregando a arma. Com o cão é a mesma coisa. A pessoa que tem a posse daquele animal é que tem a responsabilidade com ele e com a sociedade que ele vive”, pondera.
Isabela ainda complementa dizendo que nós, seja na posição de tutores dos animais ou apenas companheiros, precisamos mudar essa cultura enraizada.
“Infelizmente nossa cultura, em como nós tratamos os animais, ainda é uma questão muito problemática, porque infelizmente nossos animais são tratados como coisas, como objetos, que tem que servir nossas necessidades. Enquanto essa cultura não mudar, a gente vai ter esse olhar de desdém, vai ter esse olhar de inferioridade para para todos os animais. Enquanto isso não mudar, não existe lei que vá solucionar os problemas que a gente tem tido com essas raças de porte grande”.
Ela ainda aconselha: “a gente tem que sentar, como sociedade, olhar de uma forma mais empática para os animais, do que a gente tem feito com eles, de como a gente tem agido com eles e como a gente pode melhorar a partir de agora, porque a culpa não é deles. A gente precisa sim, ter mais empatia.”
Criação de leis
Nesta semana, a Prefeitura de Itabira informou que está construindo o Projeto da Lei Guilherme Gabriel, em homenagem ao garoto Guilherme Gabriel Couto, morto após um ataque de cães da raça Rottweiler. A lei pretende proibir, em toda cidade e nas áreas rurais, a entrada, procriação e comercialização de raças como Rottweiler, Pit-Bull, Fila-Brasileiro, Dobermann e outras semelhantes, além de fiscalizar os cães já existentes na região.
Perguntada sobre o assunto, Isabela se mostrou contrária a uma lei pretende banir a criação de cães considerados “cães de guarda”, mas pontua que um projeto para fiscalizar a criação dessas raças é necessário. “Em primeiro lugar, eu me solidarizo profundamente com a família [do Guilherme]. De forma nenhuma essa criança tem alguma culpa, a família deve estar sofrendo muito. Meus pensamentos e minha força vão para essa família”, comenta.
“Eu acho que uma lei para banir cães de guarda, como mercado, eu realmente acho válido, é importante cães não serem mais tratados assim como objeto. Eles não são feitos para segurança da casa, porque são seres vivos e tem reações diferentes e às vezes a gente não consegue prever”, explica.
Além da criação de leis para proibição de raças ou até mesmo forte fiscalização de tutores em diferentes lugares do Brasil, há movimentos mais radicais que acreditam que a melhor solução seja o banimento das raças do país. Isabela também se mostrou contrária a tal alternativa, mostrando que a criação dos cães interfere diretamente nos ataques.
“Em relação às raças, não sou a favor de banir raças. As raças não têm nada a ver com isso, vão sempre haver raças de porte grande, com potência grande. Tem muito mais a ver com a criação, em como a gente lida com esses cães, para aí sim a gente poder regulamentar criadouros, como esses animais estão vindo. A gente vê muitos criadouros clandestinos, que cães sofrem maus-tratos, esses maus-tratos podem vir a surtir efeitos na vida adulta e tornar, às vezes, os cães agressivos.”
A raça do cão é um fator determinante nos ataques?
As raças dos chamados “cães de guarda” são as que mais ganham visibilidade quando relacionadas a ataques contra pessoas, porém, Isabela acredita que cães de porte grande não necessariamente irão demonstrar comportamentos raivosos.
“Eu adoro perguntar isso para as pessoas: Qual é a raça que você acha que mais ataca seres humanos? “Normalmente, as pessoas respondem: ‘Pitbull, Rottweiler, Pastor Alemão’. Na verdade, é o ‘salsichinha’, é o Dachshund de acordo com lesões causadas que foram com idas para o hospital. A diferença é que a potência de um ‘salsichinha’ para potência de um Rottweiler é um ‘milhão’ de vezes diferente.”
“Eu trabalho com cães há mais de 15 anos. Eu tenho pouquíssimos casos de trabalho com cães agressivos de porte grande e tenho muitos casos de cães mais agressivos de porte pequeno. E isso não é por conta da raça, não é do tamanho do cachorro, não tem nada a ver com isso. Tem a ver como nós estamos tratando os nossos animais.”
O porte dos cães inclusive fez Isabela nos convidar a fazer uma reflexão sobre o tamanho dos animais e como isso pode afetar a forma de vida dos mesmos. “A gente fala: Ai, Pinscher é raivoso. Pinscher é um animal que tudo, absolutamente tudo é maior que ele. Você se imagina você vivendo o mundo onde tudo é uma ameaça, porque tudo é muito maior que você? Você vai ter medo, você vai avançar, você vai atacar.”
“São raças mal interpretadas, que não são criadas da forma correta. O problema é o humano criando esses animais e não os cães. Você pode ter um cão sociável e tranquilo de qualquer tamanho, de qualquer raça. Você pode ter um cão agressivo e reativo de qualquer tamanho e de qualquer raça”, pondera.
Por fim, Isabela Jardim diz que não existe um cachorro que é sempre agressivo, mas que os animais têm momentos de agressividade decorrentes de situações diversas.
“Não existe um cão que é sempre agressivo, ele tem momentos de agressividade por conta de alguma coisa, algum gatilho que aconteceu. Um cachorro que vai morder tudo o tempo todo, toda hora, isso não existe. Se fosse assim, esse cachorro não existiria, não teria dono, não teria pessoas em volta, ninguém conseguiria alimentar. Existem cães que têm medo, existem cães que são reativos por situações que já viveram ou por falta de socialização. Então, o problema nunca é a raça e sim a pessoa por trás dessa raça”.