Da criança criada pelos avós e pela mãe em um bairro humilde da região metropolitana de Belo Horizonte à ganhadora do prêmio internacional “25 mulheres na ciência: América Latina”. A condecoração reconhece cientistas cujos trabalhos incentivam as novas gerações de meninas e mulheres a seguirem carreiras na área da ciência. Esse é apenas um breve resumo da história da jovem pesquisadora e professora Esther Machado, 30 anos, graduada em Tecnologia em Radiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com mestrado e doutorado em Ciências e Técnicas Nucleares pela mesma instituição.
Esther foi criada no Bairro Justinópolis, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, sob a proteção da mãe solo, Sandra Valéria Machado, e dos avós, Leda Machado e Sinval Machado. Concluiu o ensino fundamental e médio em escolas públicas da capital mineira e sequer sonhava em se tornar pesquisadora.
“Nunca imaginei seguir por esta área, mas sempre fui muito curiosa. Nós, meninas, na infância, somos incentivadas a brincar com tudo aquilo que envolve o cuidado e temos pouco contato com atividades que envolvem a área de exatas, mas ainda assim foi um campo que sempre gostei”, contou.
Na hora da escolha da graduação, a realidade falou mais alto. Em contato constante com os cuidados médicos recebidos pela avó, Esther optou pela área médica e concluiu a formação em Tecnologia em Radiologia na Faculdade de Medicina da UFMG. Tudo mudou na reta final do curso quando, em um projeto de extensão, descobriu a verdadeira paixão pela ciência e pela pesquisa.
Os desafios da carreira
Foram seis anos de estudos constantes como bolsista no mestrado e no doutorado. As áreas de atuação têm nomes complicados: radioproteção, dosimetria gama de altas doses, detectores de radiação, nanocompósitos, polímeros, entre outros.
Esther buscou unir os dois interesses – saúde e exatas – para desenvolver um projeto que pudesse ser aplicado à área da saúde e melhorar a vida das pessoas. Alcançar o sucesso na empreitada significava ocupar um espaço ainda muito dominado por homens.
“Eu fui bem recebida pelas pessoas no Departamento de Engenharia Nuclear, mas enfrentei questões relacionadas ao gênero e idade. As pessoas não estão acostumadas a associar uma mulher jovem a temas dessa área. Normalmente, o que temos são homens brancos, héteros e de meia-idade ocupando estes ambientes. Então, muitas vezes, somos colocadas em dúvida e as pessoas pensam: será que ela é mesmo capaz?”, disse.
Para Esther Machado existia, ainda, outro estereótipo a ser desconstruído. “Eu era atleta de uma equipe de cheerleading e as pessoas têm muito preconceito em relação às líderes de torcida. Elas pensam que é só balançar pompom e ir a jogos de futebol, mas nós competíamos em disputas nacionais e internacionais. O julgamento pela imagem acaba descredibilizando nossas ideias e até nos fazendo duvidar da nossa própria capacidade”, indagou.
Reconhecimento e superação
Em fevereiro do ano passado, Esther foi uma das cientistas premiadas na iniciativa “25 mulheres na ciência da América Latina 2022”, premiação realizada pela empresa 3M. O projeto da jovem pesquisadora, escolhido juntamente com outras 24 iniciativas de toda a América Latina, está descrito na tese “Produção e caracterização de nanocompósitos de PVDF, MWCNT e óxidos metálicos como biomaterial para aplicações biomédicas”, defendida em 2021. Na pesquisa, Esther desenvolveu um biomaterial para implantes visível em técnicas de raio-x e ressonância, permitindo redução de custos para o sistema de saúde.
A premiação busca incentivar a participação das mulheres no campo da ciência, buscando reverter um dado da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), que mostra que menos de 30% dos pesquisadores que atuam no campo STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) são mulheres.
“Eu vi a inscrição do prêmio e fiquei pensando se deveria participar. Pensava que não era pra mim, que existiam pessoas e projetos melhores. Mas eu tenho uma rede de apoio maravilhosa que me incentivou. Foram muitas fases e, enquanto avançava, eu passei a reconhecer minha capacidade. Hoje, eu me permito arriscar mais”, comentou.
Em outubro de 2022, Esther também foi vencedora do Prêmio UFMG de Teses 2022, que reconhece os melhores trabalhos da instituição.
Inspirações
Além da própria mãe, que é a maior inspiração de Esther, a pesquisadora tem como referência Marie Curie, primeira pessoa e única mulher a ganhar o premio Nobel duas vezes. Nascida na Polônia, a cientista fez sua vida acadêmica na França. Em 1903, recebeu o Nobel de Física por investigações acerca da radiação. Oito anos depois, em 1911, recebeu o Nobel de Química pelo descobrimento e estudo dos elementos rádio e polônio.
“Eu quero ser como Marie Curie e sei que é um sonho grande. Mas minha mãe sempre me ensinou que, mesmo com medo, devemos seguir em frente. E esta é a mensagem que eu deixo para todas as mulheres e meninas que querem seguir neste campo da ciência. Nós somos capazes. Basta ter um objetivo e correr atrás dos nossos sonhos. Os obstáculos existem, mas é possível superá-los”, afirmou.