Ativistas do movimento negro ouvidas pela Agência Brasil acreditam que a igualdade racial ainda é um cenário distante. Avanços oriundos de políticas públicas como as cotas raciais e a demarcação de territórios quilombolas fazem contraste com um cenário de intensificação da violência racial e movimentos que negam o racismo.
Para a assessora política do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômiocos), Carmela Zigoni, não há muito o que ser comemorado no Brasil em relação a avanços na igualdade racial. “São muitos os desafios ainda. A gente está longe de alcançar uma equidade racial de fato no Brasil, um país muito racista”.
“E o avanço também dessa ideologia conservadora volta com uma série de práticas que estavam até melhorando, como o racismo mais direto, mais violento, a exemplo do que aconteceu com a invasão de uma escola que estava ensinando a história da cultura afro-brasileira e a professora foi ameaçada”, citou a assessora.
Relembre o caso
O caso ocorreu no dia 12 de novembro, quando policiais militares armados invadiram uma escola em São Paulo (SP) após terem recebido uma ligação do pai de uma criança de 4 anos que desenhou um orixá em uma atividade escolar. O pai também é militar e não gostou que a filha estivesse aprendendo sobre a cultura afro–brasileira.
A Lei 10.639/2023 garante que o ensino sobre a contribuição afro–brasileira é uma obrigação das escolas. “Então, acho que a gente deu alguns passos para trás como sociedade e como instituições também, porque a gestão do governo Bolsonaro foi extremamente racista, ao retirar a política de igualdade racial do plano de governo”, disse Zigoni.
Apesar do cenário complicado, Carmela elogiou a retomada da política de igualdade racial no Brasil por parte do governo federal, que colocou a política novamente no plano plurianual, fez decretos de regularização fundiária para as populações quilombolas e começou a disponibilizar orçamento para a execução dessa política pública.
Mudança no governo melhorou ambiente
Já a avaliação de Lúcia Xavier, ativista de direitos humanos e fundadora da organização não gorvernamental Criola – Pelos Direitos das Mulheres Negras, aponta que a mudança de um governo mais conservador para um mais democrático melhorou o ambiente para a população negra do Brasil.
“Mas [isso] não pode ser entendido como avanço dos direitos, sobretudo da população negra, como igualdade racial ou mesmo pelas condições dos direitos das mulheres”, atentou Xavier. Para ela, existem muitas boas intenções, no entanto, nada que vença a desigualdade e impeça o nível de violência a que esse grupo está exposto.
“Você tem uma ação afirmativa voltada para a educação, o que é uma coisa muito positiva, mas, em compensação, não tem trabalho, há uma violência policial enorme, você tem dificuldade de permanecer nas universidades, os trabalhos com melhores condições não estão disponíveis para essa população, e você acaba sofrendo as consequências desse processo”.
Celebrar algumas conquistas
Para a coordenadora da Revista Afirmativa e ativista da AMNB (Articulação de Mulheres Negras Brasileiras) e do Odara (Instituto de Mulheres Negras), Alane Reis, é possível celebrar algumas conquistas da luta pela igualdade racial, oriundas de séculos de mobilização política da população negra. No entanto, essa igualdade não foi alcançada.
“Esses movimentos conseguiram, a partir de muita luta, conquistar algumas coisas, entre as quais as políticas afirmativas nas universidades e nos concursos públicos. Houve também a garantia constitucional do direito das populações quilombolas, embora o Brasil ainda atue contra a sua Constituição quando essas populações quilombolas não adquirem com facilidade a sua demarcação e seus direitos ancestrais”.
Mesmo com as dificuldades na demarcação de direitos, a coordenadora disse que as políticas afirmativas e o direito à terra tornam possível celebrar a quebra do mito da democracia racial.
“Agora, 55 anos depois, a gente pode dizer que esse mito da democracia racial ruiu, por mais que ainda exista uma parcela conservadora de grupos racistas que defendem que não há desigualdade e que isso é um discurso de vitimização”, observou.
Negros vivenciam piores níveis sociais
Reis destacou que é necessária a existência de políticas, ações e programas que incentivem oportunidades e acesso a direitos da população preta. Ela disse que o grupo de pessoas negras, sobretudo as mulheres dessa raça, vivenciam os piores níveis sociais em todos os setores.
“Nós somos a base da pirâmide e, nas estatísticas sobre acesso à renda, à educação, a direitos civis e políticos, nós somos a minoria. Somos 2% do Congresso Nacional e nunca existiu no STF (Supremo Tribunal Federal) uma mulher negra ocupando uma cadeira”, disse.
Segundo Alane, as políticas afirmativas influenciaram a juventude negra, que hoje se sente mais orgulhosa de sua negritude em comparação há 20 ou 30 anos. “Os jovens não se orgulhavam do seu cabelo, da sua negritude, da sua cultura, e isso foi quebrando ao longo do tempo. Nos últimos 10 ou 15 anos, isso mudou”, afirmou.
“As crianças negras falam de sua cor e não de forma mais amenizada, tratando-se como “moreninhas”. O cenário hoje é diferente”, avaliou.
Disque 100 recebe 13 mil denúncias raciais
De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, de janeiro de 2025 até o dia 16 de novembro, o serviço Disque 100 recebeu 13.813 denúncias de igualdade racial, compreendendo racismo, injúria racial e violência político e étnico–racial, com 26.901 violações.
São Paulo é lider no número de denúncias de igualdade, com total de 3.631, seguido pelo Rio de Janeiro, com 1.898, e Minas Gerais (1.260). O estudo aponta que as mulheres são as principais vítimas das denúncias de racismo este ano, representando 51,51% do total, enquanto os homens somam 38,64%.
Com Agência Brasil
