O tráfico de pessoas ainda é uma realidade silenciosa no Brasil. E Minas Gerais está no centro desse problema. Nesta quarta-feira (30/7), Dia Mundial de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o auditor fiscal Athos Etienne, da Delegacia Sindical do SINAIT (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho) em Minas, destacou os desafios do combate a esse crime e a relação direta com o trabalho análogo à escravidão.
“É importante esse dia para chamar a atenção. É uma oportunidade para falar desse assunto que é muito importante na vida das pessoas, principalmente das populações que estão vulneráveis do ponto de vista econômico”, afirmou Athos em entrevista na 98 News nesta quarta-feira.
O uso da tecnologia nos dois lados
Athos explica que, em um mundo conectado, os criminosos usam as ferramentas digitais para cooptar vítimas, mas a fiscalização também se fortaleceu com a tecnologia.
“Essas pessoas criminosas usam a questão da tecnologia para recrutamento desses trabalhadores, para facilitar. Nós também temos mais recursos para poder apurar, investigar, localizar onde esses crimes estão sendo cometidos. A gente sempre atua em rede com o Ministério Público, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e outros órgãos. Um exemplo básico é o telefone celular. O trabalhador, mesmo com rede precária, pode mandar uma mensagem no WhatsApp ou ligar no Disque 100. Tem essas duas faces.”
Minas lidera número de resgates
Minas Gerais segue como o estado com maior número de trabalhadores resgatados em situações degradantes. Em 2023, foram mais de 3.100 casos no Brasil.
“Minas já há muitos anos lidera essa estatística. Temos uma equipe que atua de forma brilhante. Estamos praticamente todo mês em deslocamento para lugares com denúncias.”
Athos pontua que, apesar de um novo concurso ter aprovado 900 auditores, ainda há déficit de pessoal e recursos. “Esses 900 colegas ainda não foram nomeados. Mesmo com a nomeação, ainda vão faltar 900 para repor o quadro legal. Faltam veículos, motoristas, o que obriga muitos colegas a dirigirem a própria viatura, que nem seguro tem.”
Do sonho à exploração
Segundo o auditor, o tráfico de pessoas vai além da imagem cinematográfica de vítimas em porta-malas. No Brasil, ele ocorre de forma velada, principalmente em regiões economicamente desfavorecidas, como o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha.
“O que a gente verifica é que a coisa é feita de forma completamente informal. E se utiliza muito a figura do ‘gato’, o intermediador de mão de obra. Ele engana com falsas promessas. Quando o trabalhador chega no local, vê a realidade: sem registro, sem alojamento digno, sem direitos.”
Athos lembra que o registro em carteira precisa ser feito ainda no local de origem, com todas as condições de trabalho já definidas.
“O trabalhador tem que sair do local com essa informação. Mas o que vemos é o contrário. E quando chegamos para fiscalizar, analisamos tudo: registro, alojamento, estrutura no local de trabalho, fornecimento de EPI, condições mínimas de segurança e dignidade.”
Denunciar é essencial
O auditor finaliza reforçando que combater o tráfico humano é combater também o trabalho escravo. E que denunciar salva vidas.
“Tráfico humano, no nosso caso, está quase 100% relacionado ao trabalho análogo à escravidão. E quando o trabalhador tem acesso à informação e denuncia, conseguimos agir. É um trabalho que exige presença, escuta e ação. E é isso que estamos fazendo todos os dias.”