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Desemprego de 5,6%, a grande mentira estatística que consola Brasília

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A verdade é que essa taxa de 5,6% serve mais para acalmar investidores e dar discurso a governantes do que para descrever a realidade do Brasil profundo (Julia Fernandes/Sedese/MG)

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Com colaboração de Gustavo Andrade, colunista de economia da 98 News

O governo comemora a quatro ventos. A taxa de desemprego caiu para 5,6% e o Brasil estaria, portanto, quase pleno emprego. Palmas, confete e manchetes coloridas, tudo muito bonito no papel. Mas como quase sempre acontece no país da “realidade oficial”, essa estatística diz muito menos do que parece e esconde muito mais do que revela.

Vamos começar pelos números crus. Somos cerca de 212 milhões de brasileiros. Desse total, algo em torno de 100 milhões são considerados população economicamente ativa (PEA), ou seja, estão trabalhando ou tentando trabalhar. Até aqui, tudo certo. Agora vamos aos detalhes que o discurso governamental prefere esconder debaixo do tapete: desses 100 milhões, cerca de 25 milhões são aposentados e 13 milhões são servidores públicos. Restam aproximadamente 62 milhões de brasileiros no chamado mercado de trabalho “real”, aquele da iniciativa privada, do empreendedorismo, da informalidade e dos bicos.

O teatro dos números

E é justamente aí que o teatro começa. O IBGE considera desempregado apenas quem procurou emprego nas últimas quatro semanas e está disponível para trabalhar imediatamente. Quem desistiu de procurar, os chamados desalentados, simplesmente desapareceu da conta. Eles não viraram empresários, não ganharam na loteria, não foram abduzidos por alienígenas: apenas foram empurrados para fora do radar estatístico.

O número de desalentados gira em torno de 4 milhões, e cresce silenciosamente. Some-se a isso a massa de subempregados e informais, que ultrapassa os 40 milhões de pessoas. Estamos falando de brasileiros que sobrevivem vendendo bala no sinal, fazendo entrega de bicicleta, vendendo almoço para comprar a janta, e que, pasme, entram nas estatísticas como “ocupados”. Sim, no país dos 5,6%, vender garrafa PET na esquina é sinal de pleno emprego.

A maquiagem é perfeita: quem trabalha duas horas por semana é classificado como “empregado”; quem faz um bico eventual é “ocupado”; quem desistiu de procurar emprego por desespero é “inexistente”. A conta, claro, fecha direitinho. Só que ela fecha na planilha do ministro, não no carrinho de supermercado, nem no boleto atrasado.

O efeito “colateral” do Bolsa-Família 

Um estudo recente do FGV/IBRE revela que a versão turbinada do Bolsa-Família, cujo benefício médio hoje chega a R$670, tem, sim, efeito sobre a oferta de trabalho.

Dados que incomodam esse número aclamado pelo governo, mas que dão luz a um raciocínio lógico: Para cada duas famílias que passam a receber esse benefício ampliado, uma sai da força de trabalho. Com o benefício, a taxa de participação no mercado de trabalho caiu 11% entre os aptos ao benefício em comparação com grupos que não foram contemplados, com isso as chances de estar ocupado recuaram 12%; frente às chances de ter emprego formal, calculadas em 13%. Esse impacto é mais forte entre homens, de 14 a 30 anos, e nas regiões Norte e Nordeste. 

Outro dado revelador: o benefício médio hoje equivale a cerca de 35% da renda mediana do trabalho no Brasil, comparado aos aproximadamente 15% até 2019. Isso altera completamente o incentivo à oferta de trabalho. 

Em outras palavras: o programa social, quando magnificado, começa a gerar um tipo de “âncora” para quem está na beira do abismo, não por culpa do assistido, mas por falha de desenho e por ausência de articulação com políticas de emprego, formação e mobilidade social.

É cruel e perverso vender a ideia de que temos pleno emprego num país onde metade da população em idade ativa não tem trabalho formal, estabilidade ou direitos. É desonesto falar em 5,6% de desemprego quando o número de brasileiros em situação de desalento e subutilização da força de trabalho ultrapassa facilmente os 30 milhões. E é desumano usar estatística para esconder a tragédia social que está diante de nossos olhos.

A verdade é que essa taxa de 5,6% serve mais para acalmar investidores e dar discurso a governantes do que para descrever a realidade do Brasil profundo. Ela é a fotografia borrada de um país desigual, feita com filtro otimista para circular nas coletivas de imprensa e nas redes sociais do poder. Mas não passa disso: um retrato bonito de uma casa em ruínas.

Enquanto Brasília brinda ao “pleno emprego”, milhões continuam invisíveis, empurrados para a informalidade, para o desalento e para a desesperança. E esse Brasil invisível não cabe em gráficos, não aparece nas entrevistas coletivas e muito menos nos discursos oficiais. Mas é ele, e não o número de 5,6%, que revela a verdade incômoda: o desemprego no Brasil é muito maior do que o governo quer admitir.

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Paulo Leite

Sociólogo e jornalista. Colunista dos programas Central 98 e 98 Talks. Apresentador do programa Café com Leite.

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