O governo Lula está aprendendo, da forma mais dolorosa possível, que arrecadação não substitui articulação. A aprovação, por esmagadora maioria na Câmara dos Deputados, da urgência para derrubar o aumento do IOF, por 346 votos contra apenas 97 a favor, revela não apenas uma derrota legislativa, mas um claro recado de que o Congresso cansou de tapar os buracos de um governo que tributa muito, planeja pouco e negocia menos ainda.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, assumiu o protagonismo de um ciclo de vaivéns que beira o constrangimento institucional. Em menos de trinta dias, foram editados três decretos sobre o IOF. Primeiro, um aumento abrupto para operações de crédito com pessoas físicas, elevando a alíquota de 0,38% para 1,5% ao ano. A justificativa era gerar uma receita extra estimada em R$ 26 bilhões ao ano, revertendo parte do rombo fiscal. Em seguida, veio o recuo parcial, atenuando o impacto sobre o crédito rotativo do cartão. Depois, outro recuo, dessa vez abrindo exceções para segmentos específicos da economia.
O carrinho desgovernado da montanha-russa da economia
O resultado dessa montanha-russa normativa foi uma tempestade de insegurança jurídica. Bancos suspenderam linhas de financiamento, empresas recalcularam seus fluxos de caixa e o consumidor sentiu no bolso a incerteza de um governo que muda regras sem aviso prévio. O Brasil virou, novamente, um ambiente de alto risco para investidores, onde o custo do improviso é cobrado em juros e desconfiança.
E, no centro do furacão, Haddad. Um ministro que tenta manter uma falsa retórica fiscal ortodoxa que não cai bem à economia heterodoxa do PT, que, além de tudo, insiste em governar por decreto. O IOF virou o símbolo de uma estratégia fracassada: a de que é possível aumentar a arrecadação sem combinar com os sócios do poder, o Congresso Nacional.
A paciência dos parlamentares se esgotou. O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, deixou clara a insatisfação generalizada: “há um esgotamento de medidas que procuram aumentar a arrecadação”.
E não é difícil entender por quê. Ao mesmo tempo em que tenta tributar apostas, fundos exclusivos, operações financeiras e investimentos populares como LCI e LCA, o governo atrasa o pagamento de cerca de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares, o combustível que move a engrenagem política do Congresso. Não que eu seja a favor das emendas parlamentares — para mim, são mais uma dessas aberrações políticas brasileiras. Mas uma coisa é certa: combinou, tem que cumprir.
O Executivo está cada vez mais isolado e perde apoio não só entre os partidos do centrão como, a exemplo da votação que autoriza a derrubada do decreto do IOF, começou a ver sua base aliada rachando. A máquina do Congresso reage com força. A derrubada do IOF pode ser apenas o primeiro de uma série de reveses contra um governo que abusa do poder da caneta e despreza a conversa.
Mas o enredo fica pior. Enquanto o Congresso encurrala o governo, Lula viaja para o Canadá, onde participa da cúpula dos países do G7, grupo do qual o Brasil sequer faz parte, e Fernando Haddad, seu ministro da Fazenda, resolve tirar férias. Um timing quase provocativo e muito irresponsável. No calor da crise, as duas figuras centrais do governo, em vez de liderar pessoalmente a contenção de danos, optam por se ausentar. A imagem transmitida ao país e ao Parlamento é de descompasso, de desatenção com a gravidade da crise fiscal e política.
O governo esperava apoio. Recebeu um ultimato. E a tentativa de arrecadar por decreto, sem costura política, pode custar mais do que os bilhões esperados com o aumento do IOF. O custo é de governabilidade e, mais grave, acentua a desconfiança pela irresponsabilidade fiscal do governo.
Porque imposto sem conversa é tarifa de desgaste. Se não mudar o rumo, o governo continuará sangrando até 2026. Cercado de arrecadação, mas carente de apoio.